São Paulo, sábado, 29 de maio de 2004

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COMENTÁRIO

Escolha deve gerar problema

PATRICK COCKBURN
DO "INDEPENDENT"

A escolha de Iyad Allawi, ligado à CIA e, anteriormente, ao MI6 (serviço secreto britânico), para ser o premiê do Iraque fará que seja difícil para os EUA e o Reino Unido convencerem o restante do mundo de que ele é capaz de liderar um governo independente.
Allawi é um xiita que foi membro ativo do partido Baath, de Saddam Hussein, no Iraque e no Reino Unido, onde foi líder estudantil com ligações com a inteligência iraquiana. Mais tarde, ele passou a integrar a oposição ao líder iraquiano e, ao que consta, teria criado um vínculo com os serviços de segurança britânicos.
A mudança de lealdade fez que Allawi se tornasse alvo da inteligência iraquiana. Em 1978, agentes armados com facas e machados o feriram gravemente quando ele dormia em sua casa, em Londres.
Formado em medicina, Allawi tornou-se um empresário com bons contatos na Arábia Saudita. Ele era charmoso, inteligente e tinha o dom de dar boa impressão às agências de inteligência ocidentais. No período que se seguiu à Guerra do Golfo, em 1991, seu Acordo Nacional Iraquiano (ANI) tornou-se uma das bases do movimento oposicionista iraquiano no exílio. Ele era visto como fator de atração de ex-oficiais militares iraquianos e políticos do partido Baath, especialmente sunitas, fugidos do Iraque.
Em meados dos anos 90, o ANI afirmou ter contato com muitos oficiais iraquianos. Allawi começou a afastar-se da órbita do MI6, que o recomendou à CIA. Ele convenceu seus novos superiores de que estava em condições de organizar um golpe em Bagdá.
Em 1996, com apoio americano, britânico e saudita, Allawi abriu um quartel-general e uma estação de rádio em Amã, na Jordânia, declarando que aquele era ""um momento histórico para a oposição iraquiana". Mais tarde, altos oficiais jordanianos disseram ter pensado que o ANI e seus supostos contatos no Iraque tinham sido infiltrados pelo serviço de inteligência de Saddam.
Foi um golpe muito estranho. Se havia em Bagdá alguma dúvida sobre o que estava acontecendo, Allawi a eliminou quando concedeu a um jornal americano uma entrevista anunciando que ""o levante devia ter em seu próprio centro as Forças Armadas". Houve prisões em massa em Bagdá. O primeiro-ministro jordaniano da época, Abdul Karim al Kabariti, disse que as redes do ANI eram ""repletas de agentes dos serviços de segurança do Iraque".
Allawi e o ANI retornaram ao Iraque após a queda de Saddam e abriram escritórios em Bagdá e em antigas sedes do partido Baath espalhadas pelo Iraque. Havia poucos indícios de que contassem com algum apoio popular.
Durante um levante ocorrido no ano passado, na cidade de Baiji, ao norte de Bagdá, a multidão imediatamente ateou fogo ao escritório do ANI.
Allawi chefiou o Comitê de Segurança do Conselho de Governo Iraquiano e se opôs à dissolução do Exército feita por Paul Bremer, o representante dos EUA no Iraque. Como protesto, ele chegou a deixar a chefia do comitê durante o ataque americano a Fallujah, em abril passado.
O problema para os EUA e o Reino Unido é que, se Allawi se tornar primeiro-ministro, a fama que ele tem entre os iraquianos por ter trabalhado, inicialmente, com os serviços de inteligência de Saddam e, em seguida, com o MI6 e a CIA fará que lhes seja impossível aceitá-lo como líder de um Iraque independente.


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