São Paulo, sábado, 29 de maio de 2010

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PERFIL - JUAN MANUEL SANTOS

Presidenciável desde o berço

Filho de uma das mais tradicionais famílias colombianas, ex-ministro da Defesa de Uribe se preparou para governar o país desde a infância; agora, aos 58, ele chega à véspera da eleição empatado com opositor Mockus

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL À COLÔMBIA

Do centro da Colômbia à fronteira com a Venezuela, da região caribenha a Bogotá, apoiadores ou não de Álvaro Uribe têm o mesmo diagnóstico agradecido quando avaliam seu governo: agora podem pegar a estrada quando querem.
Maria Pérez, 42, vendedora em Bogotá, conta que passou sete anos sem poder visitar a família em Tolima (centro) por causa do domínio das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ainda presentes nas serras andinas.
Foi só em 2004, dois anos após a chegada de Uribe ao poder, que teve coragem de ir a seu povoado para ver avós e tios. Até hoje, porém, se nega a dar o nome verdadeiro.
"A guerrilha está por todo lugar. Não está morta. Está controlada", diz e emenda que é por isso que vai votar em Juan Manuel Santos, o candidato governista para as eleições de amanhã.
Esse sentimento de devolução do direito de ir e vir em uma parcela grande do país, de fim de cativeiro virtual com o encurralamento territorial das Farc pelos militares, é o maior capital político de Santos para realizar seu sonho de infância: chegar à Presidência.
E o ex-ministro da Defesa de Uribe usa-o à exaustão.
Na campanha na TV, na internet e nos eventos públicos, Santos encarna o guerreiro firme contra as Farc, um gladiador -título de seu filme preferido- moderno.
No comício de encerramento da campanha, na cidade caribenha de Cartagena, no último domingo, Santos pôs a mão no cinto e afirmou: "Eu não abaixo as calças: eu as amarro bem".
Risos na plateia, a maioria de negros. Era uma referência direta a seu principal oponente Antanas Mockus (Partido Verde), que foi catapultado à vida política em 1993, quando, então reitor de uma universidade, mostrou o traseiro em resposta a um protesto estudantil.

DESDE O BERÇO
Santos não deve sua carreira política -muito menos a frase do comício de domingo- a arroubos emocionais ou sorte. Construiu sua biografia para figurar na página da Presidência.
Desde sua formatura como cadete da Escola Naval de Cartagena até as passagens pelos governos Carlos Gaviria (1990-1994) e Andrés Pastrana (1998-2002).
"Desde pequena eu sei que meu pai que ser presidente. Sempre lembro dele ligado a alguma coisa pública", disse à Folha sua filha do meio, Maria Antonia, 19, estudante de neurociências na Universidade Brown, nos EUA.
De camiseta de campanha, ela, os dois irmãos e a mãe dançavam ao som do vallenato, um ritmo popular na Colômbia. Paravam para tirar fotos com os eleitores.
Antes, o telão havia exibido cinco minutos de um clipe da família, uma das mais ricas e tradicionais da Colômbia, controladora até 2007 do mais influente jornal do país, o centenário "El Tiempo".
O clipe "Descobrindo Juan Manuel Santos", no melhor estilo chora-eleitor do marqueteiro Duda Mendonça, intercalava depoimentos do candidato, 58, e da mulher.
Todo o esforço faz sentido porque uma das debilidades da campanha governista, empatada tecnicamente com os independentes verdes, é a identificação de Santos com a elite e o deficit de carisma do candidato, que jamais disputou uma eleição.
É por isso que a comunicação do seu Partido de La U, que conta com ex-marqueteiros de Bill Clinton, fez questão de aproximá-lo da imagem de Uribe com todas as ferramentas disponíveis -pela legislação colombiana, o presidente não pode subir em palanques.
O presidente, segundo os círculos políticos colombianos, não via em Santos seu sucessor preferido. Na impossibilidade de ele mesmo concorrer -vetada pela Justiça em fevereiro- teve de aceitá-lo. O motivo foi a derrota do ex-ministro da Agricultura, Andrés Arias, "o Uribito", nas primárias do aliado Partido Conservador.
Mas, de certa maneira, Uribe devia um favor aos Santos. Se em 2002, então desafiante candidato, ele escolheu um Santos (Francisco, primo de Juan Manuel) como vice para lhe dar lastro no establishment urbano, agora cabia ao presidente mais popular da história recente da Colômbia retribuição, conferindo legitimidade ante a Colômbia profunda.
Apesar de toda a popularidade, o pacote uribista também traz problemas para o ex-ministro. Cabe a ele defender um governo marcado por escândalos de corrupção e por desvios cometidos, segundo o palácio presidencial, em nome da segurança dos colombianos.
Um dos mais graves e que ronda toda a campanha eleitoral é o dos "falsos positivos", a execução de civis apresentados depois como baixas de combate.

APOSTAS
Até em sua maior conquista da carreira, a libertação da refém das Farc Ingrid Betancourt, os críticos de Santos veem a marca do apostador político disposto a pagar as consequências por não seguir as regras ao pé da letra. O resgate usou ilegalmente, por exemplo, o símbolo da Cruz Vermelha para enganar os sequestradores.
No caso do controverso ataque colombiano ao Equador, em 2008, o cálculo foi o de que valia a pena detonar uma crise diplomática continental se o resultado fosse a morte de Raúl Reyes, o número 2 das Farc.
Quando se projeta uma batalha no segundo turno entre Santos e Mockus, o candidato governista pode ter de pagar algumas contas com o passado, por conta de sua ambição declarada de chegar à Presidência e por manobras para tirar outros aliados do uribismo do caminho.
Mas para o senador Juan Lozano, que trabalhou com Santos quando ele foi subdiretor do "El Tiempo", isso não é um problema para o candidato. "Ele gosta de disputa. Tem vocação de poder e sabe usá-lo."
O homem de "olhar felino, barômetro de um sorriso franco, permanente e, por isso, quase ameçador", na descrição do escritor mexicano Carlos Fuentes, já é presidente da Colômbia. Ao menos na ficção. No romance "A Cadeira da Águia", de Fuentes, Santos governa o país em 2020.



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