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PERFIL - JUAN MANUEL SANTOS
Presidenciável desde o berço
Filho de uma das mais tradicionais famílias colombianas, ex-ministro da Defesa de Uribe se preparou para governar o país desde a infância; agora, aos 58, ele chega à véspera da eleição empatado com opositor Mockus
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL À COLÔMBIA
Do centro da Colômbia à
fronteira com a Venezuela,
da região caribenha a Bogotá, apoiadores ou não de Álvaro Uribe têm o mesmo
diagnóstico agradecido
quando avaliam seu governo: agora podem pegar a estrada quando querem.
Maria Pérez, 42, vendedora em Bogotá, conta que passou sete anos sem poder visitar a família em Tolima (centro) por causa do domínio
das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia), ainda presentes nas serras andinas.
Foi só em 2004, dois anos
após a chegada de Uribe ao
poder, que teve coragem de ir
a seu povoado para ver avós
e tios. Até hoje, porém, se nega a dar o nome verdadeiro.
"A guerrilha está por todo
lugar. Não está morta. Está
controlada", diz e emenda
que é por isso que vai votar
em Juan Manuel Santos, o
candidato governista para as
eleições de amanhã.
Esse sentimento de devolução do direito de ir e vir em
uma parcela grande do país,
de fim de cativeiro virtual
com o encurralamento territorial das Farc pelos militares, é o maior capital político
de Santos para realizar seu
sonho de infância: chegar à
Presidência.
E o ex-ministro da Defesa
de Uribe usa-o à exaustão.
Na campanha na TV, na
internet e nos eventos públicos, Santos encarna o guerreiro firme contra as Farc, um
gladiador -título de seu filme preferido- moderno.
No comício de encerramento da campanha, na cidade caribenha de Cartagena, no último domingo, Santos pôs a mão no cinto e afirmou: "Eu não abaixo as calças: eu as amarro bem".
Risos na plateia, a maioria
de negros. Era uma referência direta a seu principal oponente Antanas Mockus (Partido Verde), que foi catapultado à vida política em 1993,
quando, então reitor de uma
universidade, mostrou o traseiro em resposta a um protesto estudantil.
DESDE O BERÇO
Santos não deve sua carreira política -muito menos
a frase do comício de domingo- a arroubos emocionais
ou sorte. Construiu sua biografia para figurar na página
da Presidência.
Desde sua formatura como
cadete da Escola Naval de
Cartagena até as passagens
pelos governos Carlos Gaviria (1990-1994) e Andrés Pastrana (1998-2002).
"Desde pequena eu sei que
meu pai que ser presidente.
Sempre lembro dele ligado a
alguma coisa pública", disse
à Folha sua filha do meio,
Maria Antonia, 19, estudante
de neurociências na Universidade Brown, nos EUA.
De camiseta de campanha, ela, os dois irmãos e a
mãe dançavam ao som do vallenato, um ritmo popular na
Colômbia. Paravam para tirar fotos com os eleitores.
Antes, o telão havia exibido cinco minutos de um clipe
da família, uma das mais ricas e tradicionais da Colômbia, controladora até 2007 do
mais influente jornal do país,
o centenário "El Tiempo".
O clipe "Descobrindo Juan
Manuel Santos", no melhor
estilo chora-eleitor do marqueteiro Duda Mendonça, intercalava depoimentos do
candidato, 58, e da mulher.
Todo o esforço faz sentido
porque uma das debilidades
da campanha governista,
empatada tecnicamente com
os independentes verdes, é a
identificação de Santos com
a elite e o deficit de carisma
do candidato, que jamais disputou uma eleição.
É por isso que a comunicação do seu Partido de La U,
que conta com ex-marqueteiros de Bill Clinton, fez questão de aproximá-lo da imagem de Uribe com todas as
ferramentas disponíveis
-pela legislação colombiana, o presidente não pode subir em palanques.
O presidente, segundo os
círculos políticos colombianos, não via em Santos seu
sucessor preferido. Na impossibilidade de ele mesmo
concorrer -vetada pela Justiça em fevereiro- teve de
aceitá-lo. O motivo foi a derrota do ex-ministro da Agricultura, Andrés Arias, "o Uribito", nas primárias do aliado Partido Conservador.
Mas, de certa maneira, Uribe devia um favor aos Santos. Se em 2002, então desafiante candidato, ele escolheu um Santos (Francisco,
primo de Juan Manuel) como
vice para lhe dar lastro no establishment urbano, agora
cabia ao presidente mais popular da história recente da
Colômbia retribuição, conferindo legitimidade ante a Colômbia profunda.
Apesar de toda a popularidade, o pacote uribista também traz problemas para o
ex-ministro. Cabe a ele defender um governo marcado
por escândalos de corrupção
e por desvios cometidos, segundo o palácio presidencial, em nome da segurança
dos colombianos.
Um dos mais graves e que
ronda toda a campanha eleitoral é o dos "falsos positivos", a execução de civis
apresentados depois como
baixas de combate.
APOSTAS
Até em sua maior conquista da carreira, a libertação da
refém das Farc Ingrid Betancourt, os críticos de Santos
veem a marca do apostador
político disposto a pagar as
consequências por não seguir as regras ao pé da letra.
O resgate usou ilegalmente,
por exemplo, o símbolo da
Cruz Vermelha para enganar
os sequestradores.
No caso do controverso
ataque colombiano ao Equador, em 2008, o cálculo foi o
de que valia a pena detonar
uma crise diplomática continental se o resultado fosse a
morte de Raúl Reyes, o número 2 das Farc.
Quando se projeta uma batalha no segundo turno entre
Santos e Mockus, o candidato governista pode ter de pagar algumas contas com o
passado, por conta de sua
ambição declarada de chegar
à Presidência e por manobras para tirar outros aliados
do uribismo do caminho.
Mas para o senador Juan
Lozano, que trabalhou com
Santos quando ele foi subdiretor do "El Tiempo", isso
não é um problema para o
candidato. "Ele gosta de disputa. Tem vocação de poder
e sabe usá-lo."
O homem de "olhar felino,
barômetro de um sorriso
franco, permanente e, por isso, quase ameçador", na descrição do escritor mexicano
Carlos Fuentes, já é presidente da Colômbia. Ao menos na
ficção. No romance "A Cadeira da Águia", de Fuentes,
Santos governa o país em
2020.
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