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AMÉRICA LATINA
Washington "terceiriza" sua ação na transição política boliviana; missão pode constranger governo brasileiro
EUA delegam Bolívia a Brasil e Argentina
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM CARACAS
Condoleezza Rice, a secretária
norte-americana de Estado, telefonou para o novo presidente boliviano, Eduardo Rodríguez, para
avisá-lo de que já havia sugerido
aos governos de Brasil e Argentina que ajudassem a Bolívia na
transição até as eleições gerais que
devem se realizar ainda neste ano
ou no início do próximo.
É uma espécie de terceirização
da ação norte-americana, sempre
muito presente em momentos de
crise na América Latina.
A missão de ajudar na transição
boliviana pode ser uma complicação terrível para o governo brasileiro, na medida em que o PT tem
ligações históricas com o líder cocaleiro Evo Morales, presumível
candidato presidencial do MAS
(Movimento ao Socialismo), a
agrupação mais à esquerda no
quadro boliviano e que defende a
nacionalização do gás.
Nacionalizar o gás significa expulsar a Petrobras, que explora
campos petrolíferos no sul do país
e o gasoduto que leva o produto
para o Brasil. E, de quebra, significaria também dinamitar parte
importante do projeto de integração sul-americana, menina dos
olhos da diplomacia brasileira,
lançado no governo Fernando
Henrique Cardoso e intensificado
com Luiz Inácio Lula da Silva na
Presidência.
Apoio brasileiro
Evo Morales é o único candidato, entre os principais, a defender
a nacionalização do gás.
Os dois outros favoritos teóricos
são contra: o ex-presidente Jorge
Quiroga, o mais à direita, e o empresário Samuel Dória Medina,
que seria o equivalente à social-democracia no espectro político
boliviano.
Por isso mesmo, já há discretos
sinais de apoio do Brasil aos dois
candidatos contrários à nacionalização.
A eleição é decorrência da crise
que afastou, em pouco tempo,
dois presidentes (primeiro, Gonzalo Sánchez de Lozada, e em seguida seu vice, Carlos Mesa, que
caiu no mês passado).
No bojo de um acordo com a
oposição, acabou assumindo Rodríguez, presidente da Corte Suprema, que seria apenas o terceiro
na linha sucessória.
A crise já provocou um abalo
forte no projeto de integração pelo qual Lula demonstrou particular interesse.
A presença da Petrobras na exploração e na comercialização do
gás boliviano não era apenas uma
transação comercial. Previa que,
na zona de fronteira, seriam construídas estradas e criado um pólo
petroquímico. A instabilidade fez
com que a estatal brasileira já
anunciasse que tais planos estavam cancelados.
A ministra Dilma Rousseff, hoje
na Casa Civil, emitiu, em seu período como ministra de Minas e
Energia, mais de um sinal de que a
Bolívia precisava de estabilidade
para que os negócios com o gás e
o projeto de integração mais amplo pudessem evoluir.
É razoável supor, portanto, que,
uma vez na Casa Civil, a ministra
receba com carinho a sugestão da
secretária de Estado norte-americana para que o Brasil ajude na
transição.
Prejuízos
É do interesse do Brasil, até porque a Petrobras já está tendo prejuízos com a elevação do imposto
sobre a exploração dos poços petrolíferos de 18% para 32%, aprovada pelo Congresso, sempre sob
pressão da rua.
Um estudo do J.P. Morgan, instituição financeira norte-americana, mostra que a nova alíquota
tributária causa à Petrobras prejuízo equivalente a 1% de seus negócios totais.
Parece pouco, mas não há empresa, no mundo, que suporte
tranqüilamente um corte abrupto
em seus lucros com rompimento
de contrato (o contrato previa
18% de impostos, mas previa
também que a Petrobras não poderia reclamar de alterações nos
tributos bolivianos).
É óbvio que a nacionalização
criaria um problema ainda maior,
por mais que Oscar Serrate, que
foi um dos principais negociadores do acordo Brasil/Bolívia sobre
o gás, diga que se tratou de "um
dos melhores negócios da história
da Bolívia".
Votos
Serrate, hoje no setor privado,
admite, no entanto, que a sensação do público boliviano é diferente, por um só motivo: a legislação boliviana previa que o imposto seria de 18% para poços novos
(e que, por isso, exigiriam investimentos para mapear o potencial
e, depois, colocá-los em operação). Para poços conhecidos, a taxação pulava para 50%.
Acontece que os poços dados à
Petrobras, embora novos, já tinham grande potencial conhecido havia pelo menos meio século.
É fácil, portanto, ganhar votos
pregando a renacionalização do
gás. Mas é também um tiro no pé,
conforme conselhos que a CAF
(Corporação Andina de Fomento) já fez chegar a Evo Morales.
Tiro no pé porque ter a posse do
subsolo onde está o gás só é relevante se houver também meios
para desenvolver a produção (tecnologia, financiamento e mercados).
É esse o nó que os Estados Unidos "terceirizaram" para Brasil e
Argentina, que, de resto, já têm
divergências entre si suficientes
para dispensar o imbróglio.
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