São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Chile vive dilema com lucro do cobre e pressão das ruas

Principal produto chileno enche cofres públicos, mas Bachelet teme elevar gastos

Volta a debate lei do regime Pinochet que destina 10% do faturamento da Codelco a militares; no 1º trimestre, repasse foi de US$ 422 mil

Martin Bernetti-25.jun.2008/France Presse
Estudante enfrenta tropa de choque durante ato contra lei educacional em Santiago

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO

Com os cofres abarrotados de dinheiro por conta do "boom" do cobre e com vários setores de olho na bonança, o governo da presidente Michelle Bachelet enfrenta um dilema no Chile: seguir aumentando o gasto público, com o risco de estimular a inflação que já alcança 8,9%, ou fechar as torneiras e sofrer desgaste popular na reta final do governo.
Os preços do metal, que já haviam dobrado de 2005 para cá, bateram recorde de novo nesta semana. A principal exportadora do cobre, com 20% do negócio, é a estatal Codelco, cuja obrigação de repassar 10% do que obtém com as vendas aos militares voltou ao centro do debate político.
É tanto dinheiro em caixa por conta do cobre que, em nome da austera política econômica, nem o governo nem os militares mantêm todo o dinheiro no Chile. A estimativa da renda do metal é puxada para baixo no Orçamento, e a diferença vai a dois fundos no exterior, a serem resgatados em tempos de vacas magras.
Segundo o Ministério da Fazenda chileno, a bonança permitiu um superávit de 8,7% do Produto Interno Bruto em 2007. Os fundos também servem para tentar evitar a hipervalorização da moeda local, ao manter os dólares fora do mercado. Mas setores sociais alertam para problemas urgentes no Chile -a desigualdade, pelo índice Gini, é a segunda maior da região, só menor que a do Brasil- , enquanto o dinheiro rende lá fora.
E há pressões setoriais. Na última sexta, funcionários do Instituto de Previdência, em greve, faziam piquete, com direito a sucessos de Xuxa em espanhol, pedindo plano de carreira às vesperas da estréia no novo sistema de pensões. Já os caminhoneiros fizeram greve neste mês para exigir que o governo reduza um imposto sobre os combustíveis, também em escalada. A justificativa é sempre que La Moneda -a sede do governo- pode pagar por causa do cobre.
"Não podemos baixar impostos contando com uma renda que não é para sempre", justificou-se anteontem Bachelet.
Antes, com inflação menor, o governo tinha segurado parte das pressões sociais porque havia aumentado o gasto público em 8% em média ao ano. "Ela fez o que havia prometido. Aumentou gastos com saúde, atenção à infância. Fez a reforma da Previdência, que é sua obra mais importante", aponta o analista Raúl Sohr.
Mas, com a inflação em alta, consultorias econômicas pedem a Bachelet que reduza a marcha dos gastos em 2009. O problema é que esse é o último ano de governo -as eleições são em dezembro de 2009. "Este é o Orçamento no qual Bachelet pode impor um selo", disse ao "Diario Financiero" o economista da Universidade do Chile Joseph Ramos.
Ele acha, em termos políticos, ser "pouco realista" pedir ao governo que poupe ainda mais para entregar o caixa cheio ao sucessor. Em termos econômicos, argumenta, essa é uma inflação provocada pelo choque de oferta de energia e alimentos, e seria importante acelerar o crescimento.

Militares e gestão
A alta do metal também renovou as discussões sobre o futuro da Codelco. Há um projeto no Congresso para reformar a direção da companhia -os analistas do setor citam como modelo de profissionalismo a Petrobras, não sem insinuar que a companhia deveria abrir parte do capital na Bolsa.
Está de volta também a grita para que Bachelet envie ao Legislativo, onde não tem maioria, projeto para acabar com uma das principais heranças da ditadura. Por uma lei do regime Pinochet (1973-1990), a Codelco, maior empresa do Chile e maior mineradora de cobre do mundo, responsável por US$ 1 de cada US$ 5 de exportações que entram nos cofres públicos, repassa 10% do que obtém com suas vendas aos militares, que só podem usar o dinheiro para comprar armamento.
Só no primeiro trimestre de 2008 a Codelco destinou US$ 822 milhões ao Fisco e outros US$ 422 milhões aos militares.
Na semana passada, o presidente da estatal, José Pablo Arellano, relançou a controvérsia, dizendo que os 10% engessam a companhia. Com cautela, La Moneda disse que o tema está em estudo, mas que era uma opinião pessoal de Arellano.
Um general da reserva chiou, dizendo que o assunto é de "segurança nacional", enquanto o comando da ativa também foi conciliador: discutirá, desde que o governo encontre uma alternativa de financiamento a longo prazo para os militares.
"O governo fica com esse blablablá da lei do cobre, mas ele mesmo não quer mexer. E não é para nos agradar, porque podemos nos sublevar. Estamos respeitando a democracia no Chile. O problema é criar mais uma frente de discussão do Orçamento no Parlamento. Para eles, também é melhor deixar como está", disse um militar de alta patente da Força Aérea sob condição de anonimato.
Mas Raúl Sohr diz que desta vez o projeto pode sair. "Há um consenso. Há gente linha dura no Congresso que se mostra flexível. Os militares não têm mais como justificar essa lei."


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