São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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Sem EUA, Iraque testa sua democracia

Americanos encerram operações de combate na terça, deixando como legado país disfuncional e esquartejado

Obama segue plano de Bush e reduz efetivo para 50 mil homens, que darão apenas apoio logístico a iraquianos

Thaier al Sudani-27.ago.2010/Reuters
Soldado americano acompanha operação de transporte de veículosmilitares na base de Balad, cerca de 80 kmao norte da capital iraquiana, Bagdá

SAMY ADGHIRNI
DE SÃO PAULO

Atendendo ao plano da Casa Branca de priorizar esforços militares no Afeganistão, as tropas americanas encerrarão formalmente as missões de combate no Iraque na próxima terça, deixando para trás um país esquartejado e disfuncional.
Conforme plano de retirada gradual acertado em 2008, nas últimas semanas do governo de George W. Bush, e cumprido à risca por Barack Obama, os EUA manterão um contingente máximo de 50 mil soldados até o fim de 2011.
A missão dos americanos remanescentes será treinar forças iraquianas e dar apoio logístico. Participação em combates e saída das bases, só a pedido de Bagdá.
A mensagem martelada pela Casa Branca é a de que, sete anos após a invasão que derrubou Saddam Hussein, o Iraque tornou-se capaz de andar sozinho.
A realidade é mais complexa. Apesar da redução da violência nos últimos anos, ataques insurgentes são diários, alimentando fraturas entre xiitas (divididos entre religiosos e nacionalistas), sunitas (muitos deles nostálgicos de Saddam) e curdos (geralmente pró-EUA).
As tensões étnico-religiosas contaminam todas as esferas do país e são estimuladas por grupos contrários à estabilização do Iraque (entre eles a Al Qaeda), partidários do antigo regime e milícias bancadas pelo poderoso vizinho persa, o Irã.

EXPECTATIVA XIITA
O mês passado foi o mais sangrento desde 2008, com 535 mortes violentas.
O comandante do Exército iraquiano, o curdo Babker Zerbari, sugeriu que os EUA deveriam ficar até 2020.
E até mesmo o braço direito do sunita Saddam, o ex-chanceler Tareq Aziz, disse em recente entrevista concedida na prisão de Bagdá onde se encontra que os EUA estão "entregando o Iraque aos lobos" -leia-se, aos setores a serviço do Irã.
Os xiitas tendem a se empolgar mais com a saída americana. Um agente de inteligência xiita disse à Folha que a presença dos EUA é o principal fator de tensão.
Os antagonismos se refletem nas urnas, provando que o Iraque, com liberdade de expressão e política, é quem mais se aproxima de uma democracia árabe de fato.
Eleições legislativas ocorridas em março até hoje não resultaram na formação de um governo, já que xiitas, sunitas e curdos saíram das urnas sem maioria e não conseguiram um acordo para compor um gabinete.
Os EUA pressionam nos bastidores por uma coalizão que abrace todos os grandes blocos, mas o risco é de que uma aliança ampla demais paralise o governo.
Uma das pendências mais urgentes é a adoção de uma lei do petróleo que seja aceita por todas as facções. Os xiitas, ao sul, e os curdos, ao norte, têm a maioria significativa das reservas, deixando desprotegidos os sunitas, que formavam a elite civil e militar do antigo regime.
Com as terceiras maiores reservas do mundo, o Iraque tem na indústria do petróleo a sua principal locomotiva econômica. O Banco Mundial prevê crescimento de 7% neste ano, mas a prosperidade beneficia apenas empresas estrangeiras e grupos ligados ao governo.
Os iraquianos já não sofrem os efeitos das sanções internacionais ao regime de Saddam, mas carecem da mais básica infraestrutura.
O mais urgente é a rede elétrica, que funciona apenas algumas horas por dia.
Dois terços da população não têm acesso a esgoto, e metade dos médicos abandonou o país com medo dos ataques a hospitais. Ao menos 25% dos iraquianos vivem abaixo da linha de pobreza.


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