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ANÁLISE
O Big Brother dos homens no buraco, direto de Copiapó
ZÉLIA LEAL ADGHIRNI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A tragédia dos mineiros do
Chile provoca imediatamente uma alegoria com o filme
de Billy Wilder, a "Montanha
dos Sete Abutres" (1951).
O filme conta a história de
um índio entalado numa
montanha. Charles Tatum
(Kirk Douglas), repórter veterano e cafajeste, resolve manipular o fato para se promover. Corrompe as autoridades
locais e decide deixar o sujeito enterrado mais tempo para fazer durar a notícia.
Enquanto isso, em volta da
montanha concentram-se
milhares de pessoas, arma-se
um parque de diversões, o
comércio floresce, os jornais
aumentam as tiragens, o jornalista inescrupuloso aumenta o seu passe e comanda o espetáculo. Até que tudo
termina em tragédia.
Nascia assim o primeiro
Big Brother midiático, na
pré-história da internet e da
TV a cabo. A notícia-espetáculo. Já estava lá o olho mágico da mídia, onipresente,
onisciente e onipotente, como os atributos de Deus. Para vigiar o indivíduo, dominá-lo ou fazer dele o protagonista de um espetáculo.
O termo big brother tem
inspiração no Grande Irmão
da obra de George Orwell,
"1984", para criticar regimes
totalitários em que pessoas
eram vigidas por câmeras.
Na acepção atual, o termo
tem mais a ver com a exposição consentida das pessoas
em busca de celebridade.
Rompe-se o limite entre esfera pública e privada. Os
franceses usam o termo "extimité", trazido de Lacan, segundo o qual todas as pessoas aspiram à exposição da
intimidade. O que explicaria
o sucesso dos programas de
televisão tipo "big brother".
Como no filme de Wilder, o
espetáculo está armado no
Chile. Graças às novas tecnologias, milhões de espectadores podem seguir ao vivo o
drama dos mineiros e suas
famílias acampadas, transmitido pelos canais de televisão mais diversos, da CNN à
Al Jazeera. As teletelas de Orwell são imagens em tempo
real nas TVs, blogs, sites...
A mídia conhece cada um
pelo nome: Mario, 63 anos, o
líder; Vitor, o fumante bem
humorado; Luiz, com torcida
organizada, toca cumbia no
lado de fora. É o segredo do
jornalismo como entretenimento: interesse humano,
apologia do sofrimento, estrutura seriada e eventual interferência do jornalista na
construção da notícia.
O titulo original do filme
era "Ace in the hole" ("Ás na
manga"). Wilder talvez quisesse apostar na esperança
de redenção.
Mas a expressão também
significa "o cara no buraco".
ZÉLIA LEAL ADGHIRNI é pesquisadora do
CNPq e chefe do Departamento de
Jornalismo da Universidade de Brasília
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