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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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IRAQUE OCUPADO

Presidente diz que seu governo nunca declarou cumprida a missão militar e afirma que EUA "ainda estão em guerra"

Bush nega ter enganado os americanos

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Em meio à escalada terrorista no Iraque, o presidente dos EUA, George W. Bush, convocou uma entrevista para defender a ocupação e dizer que não enganou os americanos sobre as dificuldades no pós-guerra.
Bush, que comemorava os "progressos" no Iraque desde que declarou o fim dos principais combates, em 1º de maio, mostrou-se mais cauteloso ontem.
"O Iraque é um lugar perigoso. É perigoso porque os terroristas querem que saiamos, e nós não estamos saindo", afirmou ele na Casa Branca, na primeira entrevista coletiva em três meses. Nos últimos dois dias, atentados mataram mais de 40 no Iraque.
Afirmando que "a liberdade tem seu preço", Bush defendeu que o Congresso aprovasse um pacote para a reconstrução.
Desta vez, Bush enfatizou que os EUA "ainda estão em guerra" e, lembrando o 11 de Setembro, disse: "Os terroristas vão nos atacar de novo, não só em Bagdá, mas dentro dos EUA".
Na defensiva, Bush disse que não foi a Casa Branca quem mandou pôr a faixa "missão cumprida" no porta-aviões Abraham Lincoln durante o discurso em que ele, em maio, declarou o fim dos principais combates. Segundo ele, foi a tripulação do navio que estendeu a faixa, para referir-se à sua própria missão.
"Minha declaração [naquele dia] foi clara, reconhecendo que aquela fase da guerra acabara e que ainda havia um bocado de trabalho perigoso a fazer."
Para Bush, os ataques dos últimos dias foram realizados por integrantes do partido Baath (que estava no poder com o ex-ditador Saddam Hussein) e por terroristas de países vizinhos que "temem um Iraque livre e democrático".
Apesar de defender sua estratégia, Bush e seu secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, vêm sendo atacados diariamente nos EUA.
"É a primeira vez que vejo um paralelo entre o Iraque e o Vietnã em termos do que diz o governo e o que vemos em Bagdá", afirmou o senador republicano John McCain, que sempre apoiou a posição de Bush sobre a guerra.
Richard Holbrooke, ex-enviado especial do governo Bill Clinton (1993-2001) à Bósnia e ao Kosovo, afirma que, apesar da retórica de Bush, o Iraque ainda está em guerra. "E é impossível reconstruir uma nação em guerra."
Há poucos dias, Rumsfeld admitiu em um memorando interno suas "preocupações" em relação à campanha contra o terror, levantando expectativas de que os EUA fossem reforçar o efetivo no Iraque, hoje de 130 mil soldados.
Para o general reformado John Nash, ex-comandante dos EUA na campanha da Bósnia e ex-administrador da ONU no Kosovo, "parece obvio" que os EUA precisam de mais tropas no Iraque.
"Sempre será necessário mais homens para estabilizar do que para conquistar, especialmente quando a conquista é feita com forças mais leves e eficientes como agora", diz.
Questionado ontem, Bush não respondeu se os EUA pretendem enviar mais homens ao Iraque.
Além da dificuldade política de deslocar mais tropas à região durante uma campanha eleitoral (pleito presidencial em 2004), as restrições financeiras à ocupação estão cada vez mais evidentes.
Embora os EUA tenham dito que a Conferência dos Doadores de Madri, na semana passada, tenha sido um sucesso, outros países ofereceram apenas US$ 13 bilhões em ajuda -a maior parte em empréstimos-, quando os americanos esperavam pelo menos US$ 36 bilhões em doações.
Bush também enfrenta dificuldades no Congresso, dominado por seus correligionários, para conseguir US$ 20 bilhões a fundo perdido para o Iraque.
Nesta semana, senadores do partido de Bush, o Republicano, questionaram o Pentágono sobre notícias segundo as quais dezenas de depósitos de armas no Iraque continuam sem supervisão. Em alguns casos, os armamentos estariam sendo comercializados nas fronteiras do Iraque -armando grupos contrários à ocupação.
As autoridades militares americanas também vêm deixando transparecer um dilema em relação às medidas de segurança. Parte do Pentágono defende maiores restrições à circulação de pessoas em Bagdá, com o fechamento de ruas e toques de recolher, mas existem os que argumentam que essas medidas liquidariam a estratégia de conquistar "corações e mentes" no Iraque.


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