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O IMPÉRIO VOTA - RETA FINAL
Grau de polarização é muito alto e surpreende em país em que candidatos trafegam normalmente pelo centro da cena política
País dividido faz eleição que é "guerra incivil"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À FILADÉLFIA
O direito à liberdade de expressão é característica fundamental,
fundacional mesmo, dos Estados
Unidos, mas, nesta eleição, tomou a forma perigosa e emblemática de um Cadillac prata.
Barry Seltzer, 46, democrata de
carteirinha, usou seu carro para
ameaçar atropelar a deputada (republicana) Katherine Harris, candidata à reeleição pelo Estado da
Flórida, na terça-feira.
Preso, justificou: "Estava exercendo meu direito à expressão
política".
Harris ficou famosa nas eleições
de 2000, quando exercia o cargo
de secretária de Estado na Flórida
e tomou algumas decisões polêmicas no processo que culminou
com a ainda mais polêmica vitória do atual presidente George
Walker Bush sobre o democrata
Al Gore.
Pelo ressentimento deixado por
esse resultado ou, talvez, por motivos ainda não devidamente
identificados pelos próprios especialistas norte-americanos, transformar um Cadillac em arma de
"expressão política" mostra o
quanto o país está dividido nesta
eleição.
John Zogby, um dos mais famosos pesquisadores de opinião pública do país, diz que a campanha
de 2004 é "mais amarga e mais
raivosa" do que a de 2000, o que já
dá uma idéia do grau de polarização.
Reforça Thomas Friedman, colunista itinerante do jornal "The
New York Times", um dos mais
badalados no mundo, em seu artigo de ontem: "A política americana está tão polarizada hoje que
não há centro, só lados".
Tão polarizada que a revista
"Time", no seu número desta semana, trata a eleição como uma
"uncivil war", cuja tradução literal seria "guerra incivil", ou, mais
adequadamente, beligerância
pouco civilizada.
A incivilidade desce aos mínimos detalhes. Nos subúrbios da
Filadélfia, os cartazes de propaganda de Bush fincados nos jardins amanhecem, não raro, com
uma suástica pintada. Os de John
Kerry, o candidato democrata,
com balas (de revólver) pintadas
na testa ou nos olhos.
O troco é igualmente "incivilizado": militantes democratas
contam que, quando vão dormir,
põem pó de mico nos cartazes,
para evitar que sejam destruídos
ou pichados.
Pó de mico não é nada diante do
que aconteceu com Terry Anderson, candidato democrata à Assembléia estadual de Ohio. Fotos
dele ao lado de um terrorista do
grupo Hizbollah (Partido de
Deus, com base no Líbano) foram
distribuídas como contrapropaganda, para insinuar que Anderson é pró-terrorismo ou, no mínimo, brando em relação aos terroristas.
Na verdade, Terry Anderson está sendo duplamente vítima do
terrorismo: ele passou sete anos
seqüestrado no Líbano, precisamente pelo Hizbollah. Libertado,
depois de algum tempo voltou ao
país para conversar com um dos
seqüestradores, ocasião em que
foi feita a foto, agora usada na
propaganda, em truque condenado no editorial de ontem do "New
York Times".
Algumas das propagandas usadas neste ano transformam em
brincadeira de jardim de infância
as agressões mútuas entre tucanos e petistas na campanha municipal paulistana.
Exemplo: a revista "Time" relata que, em Arkansas e na Virgínia
Ocidental, milhares de folhetos
despachados como correspondência do Partido Republicano
afirmam que, se Kerry for eleito, a
Bíblia seria proibida.
"Acho que a presente eleição está jogando as pessoas umas contra as outras", queixa-se Harold
Freeman, do alto de sua experiência de 86 anos, que o levou de office-boy à presidência da hoje extinta Phoenix Steel (Filadélfia).
O paradoxal é que a polarização
ocorre no país que menos polarização teve historicamente entre
seus dois grandes partidos, ambos trafegando pelo centro, com
fatias mais à direita ou mais à esquerda. Mas nada que se comparasse, por exemplo, às grandes
disputas eleitorais na Europa ocidental, durante a Guerra Fria.
Agora, no entanto, dos cantos
mais inesperados vêm declarações que dão à eleição de terça-feira um caráter épico. Caso, por
exemplo, de John Harris, herdeiro
da petrolífera Standard Oil, um
ramo que nunca foi propriamente
amante do ambiente limpo. Harris doou imponente US$ 1,8 milhão à campanha de Kerry, alegando que a eleição é "uma batalha realmente importante por
causa das muitas coisas terríveis
que esta administração fez no
campo ambiental".
Ambiente, aborto, pesquisa
com células-tronco, casamento
gay são os temas que dividem os
norte-americanos, mas a questão
realmente decisiva, a Guerra do
Iraque, revela polarização, sim,
mas, acima de tudo, perplexidade.
Uma pesquisa deste mês do respeitado Centro de Pesquisas Pew
mostra que 46% dos consultados
acham que usar força militar para
derrubar Saddam Hussein foi
uma decisão correta, mas 42% dizem o contrário. A maioria (60%),
no entanto, continua acreditando
que usar ação militar preventiva
pode ser justificado.
Se a polarização se transformar,
nas urnas, em um resultado apertado, como prevêem as pesquisas,
cairá no que a mídia norte-americana vem chamando de "margem
de litígio".
No país dos advogados, naturalmente haverá um formidável litígio judicial, capaz de transformar
a confusa eleição de 2000 no mais
puro e limpo dos pleitos da história planetária.
Já há 20 mil advogados de plantão, distribuídos pelos 11 ou 12 Estados nos quais se acredita que o
resultado estará na "margem de
litígio", prontos para acionar a
Justiça -e, por extensão, aumentar a carga de azedume que o pesquisador Zogby já vê no pleito de
2004.
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