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OLHAR BRASILEIRO
Que saudade das manchas!
VIK MUNIZ
Quatro anos atrás, enquanto o
país despertava de um estupor
político cujas maiores preocupações eram manchas em vestidos
ou o que fazer com um superávit
fiscal trilionário, a nação parecia
dividida entre os que votavam e
os que não. Os que votaram evidenciaram frustrados o processo
eleitoral falho e maleável que deu
à uma suprema corte republicana
o poder de decidir quem seria o
novo presidente. Grande parte
deste processo anti-democrático
se deve ao estrategista republicano Karl Rove, o cérebro de Bush,
Bush pai, Nixon e muitos outros
republicanos carentes de um cérebro.. Rove seguindo a tradição
de seu mentor, Donald Segretti
(protagonista da campanha de
"Truques Sujos" que se beneficiou do roubo de documentos em
Watergate), desenhou uma campanha política baseada na inflexibilidade do caráter de Bush e como Segretti, se utilizou de todos
os recursos possíveis para sujar e
queimar a imagem de Kerry frente ao publico Americano.
Rove deu inicio à campanha de
2004 no mais puro estilo de Goebbels, logo depois do discurso presidencial no congresso de 20 de
Setembro de 2001, quando o presidente anunciou a sua guerra "internacional" contra o terrorismo.
A partir deste ponto, a constante
necessidade de compensação estratégica pelas falhas de um governante fraco e ignorante transformaram o governo de Bush em
uma contínua remodelação estética de seu caráter perante o eleitorado. Grande parte do contingente de manipuladores da campanha de Bush de 2000 passaram
a exercer cargos no governo, controlando a paranóia popular através de um conveniente sistema de
cores ou agendando alertas terroristas às vésperas de apelos de verba militar ao senado. O próprio
Patriot Act de Ashcroft, o AI-5
Americano, passou a ser usado
como um eficaz instrumento para
a supressão de críticas e oposições
ao governo. Os quatro anos do
governo de George W. Bush tem
constituído a mais longa campanha eleitoral da história dos Estados Unidos. O que os Republicanos decidiram chamar de campanha, é a simples colheita de resultados após um período de quatro
anos de manipulação psicológica
do eleitorado.
Kerry que de uma forma firme e
convincente, debateu um George
Bush gago, vacilante, repetitivo e
monossilábico, não conseguiu sequer arranhar a o exoesqueleto
desenhado por Rove para o invertebrado presidente. Kerry é simplesmente uma pessoa, com opiniões e atitudes, sujeita à complexidades e crises; Bush, com sua
simplicidade vazia se deixou moldar perfeitamente à forma suma
das ambições de seu partido.
Kerry é um Homem; Bush é uma
idéia,
uma idéia terrível.
Quatro anos atrás a estória era
outra, que saudades de Clinton,
das manchas, dos superávits e dos
diletantes. O país hoje se encontra
igualmente dividido, mas de uma
maneira terrivelmente mais preocupante que em 2000; uma divisão legitimamente ideológica que
marginaliza a própria figura do
oponente, John Kerry. Bush se beneficia de um contexto eleitoral
que, de uma forma ou de outra,
circula em torno de si mesmo; o
voto não será dividido entre Bush
e Kerry e sim entre os sobreviventes e as vítimas de longa exposição
à propaganda do maquiavélico
ilusionista anti-democrata Karl
Rove.
Quem ganhar esta eleição, se
sentará em um trono de duas pernas, e reinará sobre súditos que
perderam a capacidade de confiar
em seus lideres, a capacidade de
confiar em outros, que por medo,
perderam a capacidade de confiar
em si mesmos. Foi através de um
eleitorado semelhantemente desesperançoso e covarde, através
de semelhantes mentiras e manipulações que a direita Alemã consolidou seu poder nos meados
dos anos trinta. Aristófanes disse
uma vez que os sábios aprendem
muito com inimigos. Me parece
que os ignorantes, egoístas e insensíveis o fazem com muito mais
eficiência.
Vik Muniz é artista plástico. Vive e trabalha em Nova York há mais de 20 anos.
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