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AMÉRICA LATINA
Em entrevista, vice-presidente Rangel diz que Lula corre o risco de ter "incríveis enfrentamentos" com opositores
Vice chavista teme "venezuelização" do Brasil
FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO
O conturbado ambiente político
venezuelano, onde a oposição começou ontem mais uma tentativa
de derrubar o presidente Hugo
Chávez, pode se repetir no Brasil
nos próximos anos. Pelo menos é
o que pensa o vice-presidente José
Vicente Rangel, 73, cujas declarações costumam ter o mesmo tom
polêmico que as de Chávez.
"Quero ver qual será a situação
de Lula dentro de quatro ou cinco
anos. Peço que não tenha os incríveis enfrentamentos e a resistência por parte de setores da direita
e de opositores a qualquer proposta de mudança que o presidente Chávez tem", disse Rangel à
Folha, por telefone.
A interlocutores, no entanto,
Chávez tem dito que está "decepcionado" com a "falta de radicalidade" do governo Lula. Questionado, Rangel disse que "é possível" que Chávez tenha dito isso.
Procurado pela Folha sobre as
declarações de Rangel, o assessor
internacional do presidente Lula,
Marco Aurélio Garcia, disse que
"não comenta comentários".
Desde ontem até segunda-feira,
a oposição faz uma ampla campanha de recolhimento de ao menos
2,4 milhões de assinaturas (20%
do eleitorado), número necessário para a convocação de um referendo sobre a revogação do mandato de Chávez. Se conseguir, a
consulta deverá acontecer no primeiro semestre de 2004.
Ontem, milhares de venezuelanos estiveram em Caracas nos
pontos de assinatura. O clima de
tranquilidade só não foi total porque dois líderes da oposição tentaram visitar um reduto chavista.
Foram recebidos com garrafadas.
Folha - A Venezuela atravessa
mais um momento de indefinição
política. O governo errou ao não
conseguir desfazer esse clima de radicalização?
José Vicente Rangel - O país já estava radicalizado havia muito
tempo. Esse fenômeno começou
muito antes da chegada de Chávez à Presidência. Estava radicalizado por causa da miséria. Quando chegamos ao governo, encontramos mais de 80% da população na pobreza crítica. Esse povo
submergido não tinha porta-voz.
Quando Chávez aparece, eles têm
um porta-voz. Isso é o que aparentemente radicaliza a situação.
Folha - Em razão da crise política,
no entanto, a economia venezuelana sofrerá uma retração de 9% a
11% somente neste ano. Como é
possível fazer reformas sociais com
uma recessão tão forte?
Rangel - Um dos objetivos da
oposição era travar qualquer desenvolvimento econômico. Nós
tivemos uma greve da indústria
petroleira [iniciada em dezembro
de 2002] que ocasionou um prejuízo de mais de US$ 10 bilhões. A
indústria petroleira ficou paralisada durante 60 dias. Além disso,
houve o golpe de abril [de 2002,
que tirou Chávez do poder por
dois dias], que assustou os investidores estrangeiros. Quando começou a campanha de desestabilização, o desemprego era de 10%.
Depois, subiu a 20%. Agora está
em 16%. Tudo indica que vamos
crescer cerca de 7% em 2004.
Folha - Caso o referendo seja
marcado, qual será a estratégia?
Rangel - Vamos nos preparar
para a reconvocação. Vamos nos
preparar para a batalha. Mas será
muito difícil coletar as assinaturas, são mais de 2 milhões para
convocar o referendo. E para revogar o mandato são necessários
3,8 milhões de votos.
Folha - Chávez disse a interlocutores que esperava um pouco mais
de "radicalidade" de Lula. Ele está
decepcionado?
Rangel - É possível que ele tenha
dito, mas não é o fundamental. A
relação entre eles é muito boa. Isso eu lhe digo não como vice-presidente, mas como jornalista: Lula
tem quanto tempo? Onze meses.
Chávez tem cinco anos. Quero ver
qual será a situação de Lula dentro de quatro ou cinco anos. Peço
que não tenha os incríveis enfrentamentos e resistência por parte
de setores da direita e de opositores a qualquer proposta de mudança que Chávez tem.
Folha - O sr. crê então que Lula
passará pelos mesmos problemas?
Rangel - Há falta de vontade
contra programas de mudança.
Lamentavelmente, na região latino-americana, qualquer processo
de mudança desperta reações
praticamente irracionais.
Folha - Chávez teve recentemente um mal-estar diplomático com o
Chile por causa das declarações a
favor de a Bolívia ter um acesso ao
mar. O embaixador em Santiago foi
chamado de volta, não?
Rangel - Sim, foi chamado porque o governo chileno fez o mesmo com o embaixador deles. Mas
queremos que isso se resolva. Essa
reivindicação que Chávez fez não
é pessoal, tem sido sempre a política do Estado venezuelano.
Folha - Mas não é uma provocação Chávez dizer que quer tomar
banho numa praia boliviana?
Rangel - É uma metáfora muito
bonita. É poética.
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