UOL


São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

Próximo Texto | Índice

AMÉRICA LATINA

Em entrevista, vice-presidente Rangel diz que Lula corre o risco de ter "incríveis enfrentamentos" com opositores

Vice chavista teme "venezuelização" do Brasil

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

O conturbado ambiente político venezuelano, onde a oposição começou ontem mais uma tentativa de derrubar o presidente Hugo Chávez, pode se repetir no Brasil nos próximos anos. Pelo menos é o que pensa o vice-presidente José Vicente Rangel, 73, cujas declarações costumam ter o mesmo tom polêmico que as de Chávez.
"Quero ver qual será a situação de Lula dentro de quatro ou cinco anos. Peço que não tenha os incríveis enfrentamentos e a resistência por parte de setores da direita e de opositores a qualquer proposta de mudança que o presidente Chávez tem", disse Rangel à Folha, por telefone.
A interlocutores, no entanto, Chávez tem dito que está "decepcionado" com a "falta de radicalidade" do governo Lula. Questionado, Rangel disse que "é possível" que Chávez tenha dito isso.
Procurado pela Folha sobre as declarações de Rangel, o assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, disse que "não comenta comentários".
Desde ontem até segunda-feira, a oposição faz uma ampla campanha de recolhimento de ao menos 2,4 milhões de assinaturas (20% do eleitorado), número necessário para a convocação de um referendo sobre a revogação do mandato de Chávez. Se conseguir, a consulta deverá acontecer no primeiro semestre de 2004.
Ontem, milhares de venezuelanos estiveram em Caracas nos pontos de assinatura. O clima de tranquilidade só não foi total porque dois líderes da oposição tentaram visitar um reduto chavista. Foram recebidos com garrafadas.
 

Folha - A Venezuela atravessa mais um momento de indefinição política. O governo errou ao não conseguir desfazer esse clima de radicalização?
José Vicente Rangel -
O país já estava radicalizado havia muito tempo. Esse fenômeno começou muito antes da chegada de Chávez à Presidência. Estava radicalizado por causa da miséria. Quando chegamos ao governo, encontramos mais de 80% da população na pobreza crítica. Esse povo submergido não tinha porta-voz. Quando Chávez aparece, eles têm um porta-voz. Isso é o que aparentemente radicaliza a situação.

Folha - Em razão da crise política, no entanto, a economia venezuelana sofrerá uma retração de 9% a 11% somente neste ano. Como é possível fazer reformas sociais com uma recessão tão forte?
Rangel -
Um dos objetivos da oposição era travar qualquer desenvolvimento econômico. Nós tivemos uma greve da indústria petroleira [iniciada em dezembro de 2002] que ocasionou um prejuízo de mais de US$ 10 bilhões. A indústria petroleira ficou paralisada durante 60 dias. Além disso, houve o golpe de abril [de 2002, que tirou Chávez do poder por dois dias], que assustou os investidores estrangeiros. Quando começou a campanha de desestabilização, o desemprego era de 10%. Depois, subiu a 20%. Agora está em 16%. Tudo indica que vamos crescer cerca de 7% em 2004.

Folha - Caso o referendo seja marcado, qual será a estratégia?
Rangel -
Vamos nos preparar para a reconvocação. Vamos nos preparar para a batalha. Mas será muito difícil coletar as assinaturas, são mais de 2 milhões para convocar o referendo. E para revogar o mandato são necessários 3,8 milhões de votos.

Folha - Chávez disse a interlocutores que esperava um pouco mais de "radicalidade" de Lula. Ele está decepcionado?
Rangel -
É possível que ele tenha dito, mas não é o fundamental. A relação entre eles é muito boa. Isso eu lhe digo não como vice-presidente, mas como jornalista: Lula tem quanto tempo? Onze meses. Chávez tem cinco anos. Quero ver qual será a situação de Lula dentro de quatro ou cinco anos. Peço que não tenha os incríveis enfrentamentos e resistência por parte de setores da direita e de opositores a qualquer proposta de mudança que Chávez tem.

Folha - O sr. crê então que Lula passará pelos mesmos problemas?
Rangel -
Há falta de vontade contra programas de mudança. Lamentavelmente, na região latino-americana, qualquer processo de mudança desperta reações praticamente irracionais.

Folha - Chávez teve recentemente um mal-estar diplomático com o Chile por causa das declarações a favor de a Bolívia ter um acesso ao mar. O embaixador em Santiago foi chamado de volta, não?
Rangel -
Sim, foi chamado porque o governo chileno fez o mesmo com o embaixador deles. Mas queremos que isso se resolva. Essa reivindicação que Chávez fez não é pessoal, tem sido sempre a política do Estado venezuelano.

Folha - Mas não é uma provocação Chávez dizer que quer tomar banho numa praia boliviana?
Rangel -
É uma metáfora muito bonita. É poética.


Próximo Texto: Iraque ocupado: Até democratas elogiam Bush por sua viagem a Bagdá
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.