São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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ARTIGO

O papel do Paquistão subestimado

PATRICK COCKBURN
DO "INDEPENDENT"

Na esteira imediata dos ataques em Mumbai, boa parte das análises têm um som familiar, com o Ocidente minimizando o envolvimento estrangeiro. As alegações da Índia sobre "vínculos externos" dos terroristas são reportadas em tom cansado com a lamentável retomada das acusações mútuas entre Índia e Paquistão.
Os comentários veiculados em televisões e jornais sobre ultrajes terroristas freqüentemente são fornecidos por autonomeados "especialistas em terrorismo", que ressaltam a marginalização dos muçulmanos indianos e sugerem que a origem do ataque terrorista a Mumbai é doméstica, fruto da radicalização dos muçulmanos indianos em função da discriminação sistemática cometida contra eles pelo Estado.
Exatamente quem estava por trás da confusão sangrenta em Mumbai ainda não está claro. O jornal "Hindu" relatou ontem que três dos suspeitos capturados pela polícia eram membros do Lashkar-e-Taiba (o Exército dos Devotos), que tem vários milhares de membros na Caxemira controlada pelo Paquistão, e que os homens teriam chegado a Mumbai de navio, vindos de Karachi, no Paquistão. O grupo é um dos três maiores que lutam contra a Índia na Caxemira.
As origens e as motivações dos homens que massacraram tantas pessoas em Mumbai vão vir à tona nos próximos dias. Mas a carnificina já deveria ressaltar a maior de uma das muitas falhas do governo Bush pós-11 de Setembro. O Paquistão sempre foi a verdadeira base da Al Qaeda. Foi a inteligência militar paquistanesa, ISI, que fomentou o Taleban antes de 2001 e o reativou mais tarde.
É o Paquistão quem vem sustentando os combatentes islâmicos na Caxemira, onde metade do Exército indiano está amarrado. No entanto, o governo Bush aliou-se ao general Pervez Musharraf e ao Exército paquistanês depois do 11 de Setembro, assegurando que os grupos terroristas sempre tivessem uma base.
É hipocrisia inútil o Ocidente dar sermões ao governo indiano agora sobre a importância de não exagerar em sua reação e de não culpar automaticamente o governo paquistanês. A maneira pela qual as forças militares do Paquistão vêm permitindo que militantes caxemires e paquistaneses se desloquem livremente pelo território paquistanês criou o meio do qual saíram os ataques desta semana. É possível que o monstro que o ISI criou tenha fugido a seu controle, mas é ela, em última instância, a responsável pelo que aconteceu.
O pano de fundo político de Mumbai foi resumido por Ahmed Rashid em "Descent into Chaos: How the War against Islamic Extremism Is Being Lost in Pakistan, Afghanistan and Central Asia" (Mergulho no caos: como a guerra contra o extremismo islâmico está sendo perdida em Paquistão, Afeganistão e Ásia Central).
No Paquistão, escreve, "um establishment militar nuclearmente armado e um serviço de inteligência que patrocinaram o extremismo islâmico como parte intrínseca de sua política externa por quase quatro décadas vêm encontrando extrema dificuldade em abrir mão de suas políticas autodestrutivas e hipócritas".
A não ser que Barack Obama consiga convencê-los a fazê-lo, ele não realizará mais como presidente do que Bush.


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