São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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Suíça decide futuro de minaretes no país

Plebiscito de hoje foi convocado por grupo radical, que considera as torres nas mesquitas um símbolo político do islã

Proposta, que nasceu de um abaixo-assinado, é tão polêmica que nem mesmo o partido suíço de ultradireita SVP se dispôs a patrociná-la


Denis Balibouse-9.nov.09/Reuters
Cartaz de plebiscito - mais polêmico que a votação em si - mostra minaretes retratados como mísseis sobre a bandeira da Suíça e foi vetado em algumas cidades

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

Um cântico islâmico irrompeu no silêncio do sonolento Chemin de Colladon, em Genebra, arrancando da cama seus moradores antes das 7h. O chamado às preces, duas semanas atrás, não veio da mesquita que há 30 anos ocupa o número 34 da rua residencial, diz o imã Youssef Ibram. Veio do alto-falante de um carro alugado.
Ao volante, o líder religioso diz que estavam entusiastas da campanha para vetar a construção de minaretes no país, dispostos a mostrar para a vizinhança o que poderia tomar diariamente suas manhãs caso torres como a da mesquita ao lado não fossem riscadas da paisagem em todo o país.
Hoje, os suíços vão votar em um plebiscito convocado por um grupo radical de direita que coletou 115 mil assinaturas sobre a proibição dos minaretes -para os idealizadores da consulta, um símbolo político do islã que não cabe na Suíça.
Há apenas quatro deles no país: em Genebra, em Zurique (o mais antigo) e os novos em Winterthur e na pequena Wangen, onde a bandeira surgiu. É pouco para os quase 400 mil muçulmanos majoritariamente vindos dos Bálcãs que contabilizam 5% da população.
E nenhum é usado para seu fim tradicional, o chamados às preces. "Mas eles fazem parte da identidade de uma mesquita, da identidade islâmica. É como a torre do sino em uma igreja católica", afirma Ibram.
A proposta é tão controversa que nem o direitista SVP (Partido do Povo Suíço), adepto das polêmicas e hoje a maior legenda do país, se dispôs a patrociná-la. Sobrou ao punhado de deputados que a defendiam formar um grupo com colegas evangélicos e coletar as firmas para lançar o plebiscito.
Impedido de barrar a consulta, o governo federal recomenda o voto no "não", em defesa de "valores centrais da sociedade suíça" e de direitos como a liberdade religiosa.
"A paz religiosa em nosso país seria desnecessariamente posta em risco", disse a ministra da Justiça, Eveline Widmer-Schlumpf. "A proibição dos minaretes não resolveria os problemas citados pelos patrocinadores da iniciativa. Ao contrário, os agravaria."
Pesquisas de uma semana atrás colocam o "não" em torno de 53% e o "sim" em 37% (os demais são indecisos).
De qualquer forma, diz Ibram, "só de vir à tona que um terço da população é contra os muçulmanos já nos faz perder".

Apagando incêndios
A fala pausada e contemplativa do marroquino de 57 anos, que vive há 28 no país, denuncia sua resignação. Ele afirma que a Suíça é um país que respeita a coexistência religiosa como poucos. Desde que a ideia de plebiscito foi lançada há cerca de dois meses, no entanto, sua mesquita virou alvo. Na última semana, quebraram pela segunda vez as vidraças.
Ironicamente, o carro de som que arrancou a vizinhança da cama a despertou também para defender o minarete. "Muitos vizinhos vieram aqui pedir para vê-lo. Eles moram na quadra há anos e nem sequer o haviam notado", afirma Ibram.
A torre, de 22 metros, eleva-se atrás da construção hexagonal com uma discreta cúpula de vidro que some na paisagem genebrina. Construída num declive do terreno, requer atenção para ser notada. Ali perto, a torre de uma igreja católica é da mesma discrição. (Em Berna, foi o sino da igreja que despertou a repórter às 5h.)
"Nosso termômetro são os vizinhos. A maioria deste país aceita o islã, e a Constituição garante liberdade de religião", prega o imã. "Os racistas islamofóbicos são uma minoria."
A ressalva apareceria com frequência na conversa de Ibram com a reportagem, assim como apareceriam também menções ao caráter privado da religião entre os muçulmanos do país (ele estima em 4% dos 400 mil os "praticantes" no país, um conceito incomum na sua religião).
Cauteloso, repete que se trata de um problema para os muçulmanos suíços resolverem. "Não queremos exportá-lo." Indagado se temia reações anti-Suíça pelo mundo como as que visaram a Dinamarca em 2006 após a publicação de charges que ironizavam o profeta Maomé, Ibram assente.
Diz que o governo suíço fez sua parte enviando emissários a países islâmicos para explicar que era contra a consulta, mas que o sistema político local permite que qualquer grupo de cidadãos que colha mais de 100 mil assinaturas promova um plebiscito -a tal democracia direta que leva os helvéticos às urnas quase mês sim, mês não.
A comunidade também fez a sua parte -não deu entrevistas a canais árabes e manteve a discrição. "Não temos nenhum interesse em inflamar o assunto", diz Ibram. "Antes de sermos muçulmanos, somos suíços."


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