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NOVO CENÁRIO
Partidos chilenos começam debate sobre "democracia imperfeita", a fim de desfazer herança do regime militar
Caso Pinochet faz Chile rever transição
CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Santiago
É uma clara ironia da História: o
general Augusto Pinochet, embora
involuntariamente, está sendo o
agente do processo de revisão da
institucionalidade que legou ao
Chile ao terminar seus anos de ditadura (1973 a 90).
Essa situação ficou clara nos dois
dias de intensas negociações entre
todos os partidos políticos representados no Senado para decidir se
constituiriam ou não ou comissão
multipartidária para viajar a Londres e reforçar assim a missão diplomática do chanceler José Miguel Insulza.
O objetivo era claro: dar às autoridades britânicas uma demonstração de que todo o arco político
chileno (pelo menos o representado no Congresso) prefere que o general volte ao Chile, em vez de ser
extraditado para a Espanha, para
ser julgado sob a acusação de violações aos direitos humanos.
Mas a discussão acabou desaguando na definição de uma agenda para que o Chile deixe de ser
uma "democracia imperfeita", como o classificam até expoentes da
direita, herdeiros do regime militar que gerou as imperfeições.
O debate não chegou a lugar algum, mas deixou claro que, com
Pinochet preso em Londres, extraditado para a Espanha ou de volta
ao Chile, a agenda política prioritária será desfazer as imperfeições.
Não haverá, pois, uma delegação
do Senado chileno em Londres
porque socialistas e social-democratas colidiram de frente com a
UDI (União Democrática Independente) e a RN (Renovação Nacional), os partidos pinochetistas.
Mas a divergência explicita a
agenda política para o futuro próximo, inclusive para a campanha
presidencial de 1999.
A direita fez questão de defender
o que chamou de "obra" do general Pinochet, mais até que a sua
própria figura. Entenda-se por
"obra" um punhado de regras que
atam a democracia.
O PS e o PPD (Partido pela Democracia, social-democrata), ao
contrário, exigiram, para integrar
a missão parlamentar, que a direita
concordasse em rever os seguintes
nós institucionais:
1 - A relativa predominância da
Justiça Militar sobre a Civil, nos casos em que estão envolvidos militares, inclusive nos de violações
aos direitos humanos;
2 - Uma revisão do papel do Cosena (Conselho de Segurança Nacional), no qual têm assento os comandantes do Exército, Marinha,
Força Aérea e dos "carabineros" (a
Polícia Militar). O Cosena dá aos
chefes militares uma voz em assuntos de governo que não é habitual em democracias menos imperfeitas;
3 - Mudança da legislação eleitoral. Em cada circunscrição, elegem-se dois senadores, mas não
necessariamente os mais votados.
Para que uma coligação eleja
seus dois candidatos, é preciso que
cada um tenha o dobro dos votos
da coligação adversária.
Digamos que o partido A tenha
dez votos e seu parceiro de coligação (o B) fique com seis, enquanto
o C, da coligação contrária, leva
quatro. Elegem-se o candidato do
A e o do C, o que tem prejudicado
os partidos governistas;
4 - A eliminação dos senadores
institucionais (nomeados, não
eleitos). São nove, o que dá pouco
mais de 20% do total de 47, o suficiente para bloquear qualquer iniciativa de revisão da Constituição
legada por Pinochet e referendada
em plebiscitos realizados na total
ausência de liberdades públicas.
Para os senadores direitistas, o
que o PS e o PPD estão propondo é
"uma chantagem", como diz Pablo
Longueira, presidente da UDI.
Ou seja, querem trocar a gestão
pela libertação de Pinochet pela
desmontagem da "obra" do general. Mas, depois que o ministro britânico tomar uma decisão, seja
qual for, a palavra "chantagem"
não caberá mais e a agenda continuará de pé.
Até lá, no entanto, a tensão política vai se manter elevada. Até porque os "carabineros" dizem ter encontrado dois coquetéis Molotov
com os pinochetistas que se manifestam todas as noites diante da
embaixada espanhola.
Se verdadeira, a informação indica uma escalada no armamento,
posto que, até agora, eram apenas
pedras e paus.
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