São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 2010

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Presidente do BC argentino renuncia ao cargo

Após contestar sua exoneração na Justiça, Martín Redrado diz fazer "gesto republicano" para amainar conflito institucional

Casa Rosada, no entanto, quer agora levar até ao fim audiências em comissão do Congresso para forçar vice opositor a se posicionar


SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

O economista Martín Redrado renunciou ontem à presidência do Banco Central argentino, após 21 dias de uma batalha jurídica com o governo para permanecer no cargo, do qual foi exonerado por decreto pela presidente do país, Cristina Kirchner, sob acusação de "má conduta e descumprimento de deveres".
Redrado resistia a pôr em prática decreto de Cristina para transferir ao Tesouro, em garantia do pagamento da dívida externa, US$ 6,5 bilhões das reservas do BC, que totalizam US$ 48 bilhões. Ele apontou risco de embargo do dinheiro por credores argentinos que recusaram a troca da dívida.
O economista reassumiu seu cargo por meio de uma medida cautelar. O governo conseguiu derrubar essa medida na semana passada, quando Cristina recuou da negativa de envolver o Congresso na discussão.
Pela legislação argentina, o Executivo deve ouvir uma comissão do Congresso antes de remover a diretoria do Banco Central, mas não é obrigado a seguir o seu parecer. No decreto em que exonerou Redrado, alegando "necessidade e urgência", Cristina ignorou essa exigência legal.
A pedido de Cristina, a comissão se reuniu nesta semana, conformada por um legislador governista, um opositor e o vice-presidente da República, Julio Cobos, que acumula a presidência do Senado.
Cobos está rompido com Cristina desde 2008. A Casa Rosada o acusa de estar por trás da insubmissão de Redrado. Aspirante à sucessão de Cristina em 2011, Cobos teria um acordo com Redrado para que o economista integre sua chapa ou seu eventual gabinete. Para obrigar Cobos a se posicionar em relação à saída de Redrado, Cristina não aceitou a renúncia do presidente do BC e aguarda o parecer da comissão.
Ao anunciar sua renúncia, Redrado afirmou: "Que esse último gesto republicano sirva para virar a página e amainar o conflito". Atacou, porém, o governo. "Chegamos a essa situação pelo permanente atropelo das instituições que pratica o governo. O governo quer avançar sobre as reservas, que são a poupança dos argentinos. Proteger as reservas é proteger o bolso dos argentinos", disse.
O chefe de gabinete de Cristina, Aníbal Fernández, ironizou as declarações de Redrado: "Parecia tão patriótico que dá vontade de dizer: não vá nunca! Para nós, a renúncia não existe. Aguardamos o parecer da comissão na terça", afirmou.
Na crise política desencadeada pelo conflito em torno do uso das reservas do BC e do comando da entidade, a Casa Rosada acumulou atritos com o Congresso e a Justiça.
O governo denunciou penalmente, por "fraude processual", a juíza María José Sarmiento, que anulou os dois decretos de Cristina -sobre a transferência das reservas e a remoção de Redrado.
A Casa Rosada chegou a acionar a Polícia Federal para tentar entregar a Sarmiento um recurso à sua liminar. A presidente chamou-a de "juíza-delivery", criticando suas sentenças a favor da oposição.
Cristina ignorou pedido de parlamentares oposicionistas para convocar extraordinariamente o Congresso, que está em recesso, e acusou a oposição, especialmente a UCR (União Cívica Radical), partido de Cobos, de tentar impedir a governabilidade.
A crise produziu uma baixa no governo -Cristina demitiu o procurador-geral do Tesouro, responsável pela estratégia jurídica do governo nessa questão- e abalou a relação entre a presidente e o ministro da Economia, Amado Boudou, a quem ela culpa por não tê-la advertido do risco de embargo das reservas apontado por Redrado.


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