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GUERRA SEM LIMITES
Autora de livro sobre jornalista americano morto no Paquistão busca estimular conscientização política
Viúva de Pearl critica políticos e mídia
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Mariane Pearl, 36, autora de
"Coração Valoroso" (ed. Objetiva), que já é um best-seller nos
EUA, um livro sobre "a vida e a
morte" de seu marido, Daniel
Pearl, jornalista do "Wall Street
Journal" morto aos 38 anos, no
Paquistão, após ser seqüestrado
por um grupo de extremistas islâmicos, prefere não falar muito sobre seu drama pessoal. Em vez
disso, utiliza sua posição para
examinar os problemas que afetam a sociedade americana.
Para ela, que é uma premiada
diretora de documentários, o problema da guerra ao terror não são
as políticas de George W. Bush,
que não são surpreendentes, mas
a falta de um debate aprofundado
sobre a situação e sobre suas conseqüências. Cabe à sociedade civil
estimular a conscientização política, diz, visto que a imprensa se
encontra atada a seus interesses,
não conseguindo apresentar ao
público uma discussão imparcial
sobre temas delicados.
Em 23 de janeiro de 2002, Daniel Pearl desapareceu em Karachi, no Paquistão. Seu corpo foi
encontrado em maio do mesmo
ano. Uma fita de vídeo com imagens dos extremistas obrigando-o
a admitir que era judeu e, depois,
cortando sua garganta é a maior
prova de que ele foi assassinado.
O Paquistão já prendeu inúmeros suspeitos de envolvimento
com o assassinato de Pearl. Ahmed Omar Sayeed Sheikh foi condenado à morte, em 2003, pelo seqüestro e pela morte de Pearl, e
três de seus cúmplices pegaram
prisão perpétua. Suspeita-se que
Khalid Sheikh Mohammed, um
dos mais importantes membros
da Al Qaeda já detidos pelos americanos, também tivesse ligação
com a morte do jornalista.
Folha - O que o livro sobre seu
marido significa para a sra. hoje?
Mariane Pearl - Decidi escrevê-lo
por várias razões, algumas mais
pessoais que outras. Era muito
importante para mim testemunhar o que ele tinha vivido, mergulhando no tema e conversando
com pessoas que realmente tinham uma idéia do que tinha
ocorrido. Quero deixar claro que
sou uma pessoa comum, não quero vender nada nem pretendo dar
uma visão exata do que ocorreu.
Também era importante para
mim falar sobre as pessoas que
me ajudam em minha luta, pessoas que realmente sabem o que é
a guerra ao terror. Trata-se de
pessoas que estão na linha de
frente e que têm muito a dizer sobre essa situação. Na verdade,
queria mostrar o lado humano de
uma história trágica.
Folha - Porém ainda há muitas incertezas sobre o que ocorreu?
Pearl - A situação política geral
ainda é muito complexa no Paquistão. Os paquistaneses estão
tentando apresentar níveis internacionais de direitos legais, mas
trata-se de algo bastante complicado porque há muitas forças que
estiveram envolvidas no assassinato de Daniel que são contrárias
a isso. E elas ainda são muito importantes na sociedade paquistanesa. O presidente [Pervez Musharraf] está numa situação difícil
e também corre grande perigo.
Folha - A sra. discorda do modo
como a guerra ao terrorismo está
sendo conduzida, não é?
Pearl - Não critico somente o
presidente Bush. Creio que o país
inteiro tenha um grave problema:
a falta de um debate mais aprofundado sobre questões muito sérias, como a guerra. Fazer uma
guerra é uma decisão grave, que
traz muitas conseqüências, e não
acredito que a imprensa tenha lidado corretamente com isso. Trata-se de um problema da sociedade civil americana.
A posição de Bush já era esperada. Penso que o problema não é
esse, mas a ausência de um debate
sério sobre tudo o que ocorre no
mundo atualmente. Antes da
guerra, por exemplo, ninguém
mostrou claramente aos americanos que a Al Qaeda poderia tirar
vantagem de um conflito no Iraque, fazendo uma campanha internacional de propaganda.
Ademais, a falta de vontade de
aceitar as críticas da comunidade
internacional e a ausência de um
acordo com nossos maiores aliados também não foram alvo de
uma discussão séria. Para mim,
como isso não ocorreu, a guerra já
não deveria ter sido travada.
John Kerry [virtual candidato
democrata à Presidência dos
EUA] talvez mude um pouco a situação, pois terá os erros de seu
predecessor em mente. Em essência, todavia, ele também não alterará o quadro geral. Nenhum político é Deus. É fácil criticar os políticos, mas o que fazemos na prática? Conscientizar a sociedade de
seus problemas é crucial. É por isso que resolvi escrever o livro.
Não faz sentido ficar esperando
que a classe política, que está no
centro do conflito de interesses
que também envolve a imprensa,
faça as mudanças que consideramos necessárias em nossa sociedade. Acredito que devamos fazer
a nossa parte para buscar alterar
esse quadro geral. Assim, penso
que é muito mais importante fomentar discussões políticas e trabalhar pela conscientização da
população do que ficar reclamando de tudo o que consideramos
errado na sociedade.
Folha - O assassinato de seu marido foi um ataque à imprensa?
Pearl - Sem dúvida. A mídia em
geral estava num estado de choque à época e talvez não tenha
percebido a importância do ocorrido. Vários outros jornalistas já
foram mortos naquela região, e a
imprensa teve de perceber que
seu modo de trabalhar tinha mudado, porém não se aprofundou
no que estava por trás da morte de
Daniel. Um dos maiores problemas da mídia é confrontar suas
próprias idéias, visto que há um
corporativismo muito grande.
Minha relação com o "Wall
Street Journal" ilustra essa situação. Seus representantes não querem participar do processo nem
aceitam envolver-se na investigação do que ocorreu. Nem tudo foi
esclarecido. Mesmo assim, o jornal não quer envolver-se porque
há problemas políticos ligados a
tudo isso. E as grandes corporações de mídia não são suficientemente independentes nem corajosas para enfrentar tudo isso.
Afinal, elas têm interesses que
ultrapassam os das pessoas
-muitas vezes, até os daqueles
que as representam. Não podemos esquecer que a imprensa e a
classe política fazem parte do
mesmo jogo.
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