|
Próximo Texto | Índice
ARGENTINA
Em onda nacionalista, presidente faz revisão histórica, homenageia ex-combatentes e diz que "causa é justa"
Kirchner retoma apelo pelas Malvinas
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
"A Argentina e a Inglaterra
parecem dois carecas lutando
por um pente"
Jorge Luis Borges, autor argentino
Agora é a vez das Malvinas.
Durante as comemorações dos
24 anos da guerra pela soberania das ilhas, o presidente argentino, Néstor Kirchner, pediu
ao Reino Unido que abrisse negociações "de boa-fé" sobre a
soberania do arquipélago.
"Queremos recuperar as ilhas
pela via do diálogo, da diplomacia e da paz, o que não significa
que abaixaremos a cabeça."
Kirchner afirmou que a guerra foi um erro, uma "agressão
covarde", mas que "a causa é
justa". "Recuperar as ilhas é objetivo permanente e irrenunciável do povo argentino". Segundo o jornal "Clarín", as novas
reivindicações argentinas "empobreceram" as relações entre
Kirchner e o premiê britânico,
Tony Blair.
A Guerra das Malvinas foi a
última tentativa da ditadura
(1976-1983) de permanecer no
poder. O país sofria com inflação e desemprego crescentes e
uma pressão internacional pelo
respeito aos direitos humanos.
O ditador argentino Leopoldo
Galtieri quis retomar a colônia
britânica a quase 500 quilômetros do litoral da Patagônia.
De início, funcionou. Uma
multidão apoiou com fervor patriótico a guerra. Mas, com infra-estrutura mínima e soldados inexperientes, os argentinos
foram vencidos facilmente pelos ingleses. A derrota acelerou
o fim da ditadura.
Kirchner também gosta de investidas "patrióticas" que turbinam sua popularidade. No início, brigou com o FMI e as multinacionais. Há meses, briga
com o vizinho Uruguai pela
construção de fábricas de papel.
No mês passado, ele transformou em feriado -e celebrou
em grande estilo- o início do
golpe militar de 1976.
Pela primeira vez, um presidente argentino também pediu
"perdão" aos soldados que lutaram em uma guerra considerada oportunista. O discurso de
Kirchner foi feito no início de
abril. Ao longo do mês, não faltaram revisões históricas.
Governadores organizaram
atos públicos. Em Córdoba, foi
construída uma réplica da proa
do navio General Belgrano,
afundado pelos ingleses durante a guerra, onde morreram 323
soldados argentinos. Em Posadas, na Província de Misiones,
um monumento de seis metros
de altura foi inaugurado.
Um grupo de ex-combatentes
pediu à Chancelaria argentina a
revisão de todos os tratados e
acordos firmados entre o país e
a Inglaterra nos anos 90. Para
reatar as relações diplomáticas,
o governo argentino aceitou as
restrições para exploração pesqueira e de recursos energéticos
nos mares das Malvinas -principais fontes da economia do arquipélago, além da pecuária.
A atenção dos argentinos com
as Malvinas mudou muito nos
últimos 24 anos. Ao final do
conflito e por quase dez anos,
virou um tema tabu. Havia até
um disfarçado alívio com a derrota, que foi responsável pela
queda da ditadura militar argentina. Todos preferiram esquecer a guerra. Durante o governo de Carlos Menem, além
da retomada de relações com o
Reino Unido, o chanceler argentino, Guido di Tella, mandou ursinhos de pelúcia de presente para cada habitante das
ilhas -cidadãos britânicos que
odeiam a Argentina.
No ano passado, estreou o filme "Iluminados pelo Fogo",
inspirado nas memórias de um
ex-combatente, que fala da guerra e do
que aconteceu com os soldados.
Houve 350 suicídios de veteranos da guerra. Um número
maior do que o de mortos em
combate, que foram 267, se forem deixados de lado os mortos
do navio General Belgrano.
O historiador argentino Luis
Alberto Romero duvida que o
governo leve adiante as demandas. "Desconfio muito de Kirchner, pelo tom nacionalista que
dá a tudo. Não me assustaria se
as coisas não fossem muito
além dessas declarações."
Uma semana antes do discurso de Kirchner, o Reino Unido
reiterou a soberania do arquipélago e rejeitou o pedido do governo argentino de manter negociações, com a ONU como
mediadora.
Para o historiador Francisco
Panizza, professor da London
School of Economics, há razões
políticas e econômicas para isso. "Se abrir mão da soberania,
mesmo contra a vontade dos
ilhéus, terá que devolver outras
colônias, como Gibraltar. Hoje
as ilhas também são ricas, e têm
muito potencial de reservas petrolíferas."
Próximo Texto: "A história passou por cima de mim" Índice
|