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"A história passou por cima de mim"
DA REPORTAGEM LOCAL
O jornalista Edgardo Esteban,
43, lutou nas Malvinas quando tinha 19 anos. No livro "Malvinas
-Diario del Regreso", conta sua
história, que também inspirou o
filme "Iluminados Pelo Fogo".
"Antes, ninguém falava do assunto, hoje fazemos autocrítica. Os
argentinos se deram conta de que
os ex-combatentes também são
vítimas da ditadura." Leia trechos
da entrevista que Esteban deu à
Folha.
(SC e RJL)
Folha - A Guerra das Malvinas deixou de ser tabu?
Edgardo Esteban - Só agora os
argentinos fazem autocrítica. Antes, ninguém queria lembrar de
que, quando Galtieri anunciou a
conquista das ilhas, foi a sociedade argentina que lotou a Praça de
Maio. Gritavam "Que venham os
ingleses, que as ilhas são nossas".
Folha - Os ex-combatentes não tiveram algum reconhecimento?
Esteban - Aqui se esqueceu que
nós também éramos vítimas da
ditadura militar. Ficamos vivos e
não tínhamos nada a ver com o
governo de Galtieri. Fomos inocentes para lá. A sociedade argentina nos deu as costas.
Folha - Já houve mais suicídios do
que mortos em combate. Não houve nenhum acompanhamento psicológico depois?
Esteban - Mais de 350 ex-combatentes se suicidaram. Não tivemos nenhum apoio. Os militares
queriam nos esconder. Era um
fardo, os soldadinhos que chegavam magrinhos, mortos de fome... Nos davam pouca comida,
lutando sob 15, 20 graus negativos. Soldados que foram pegos
pegando comida no armazém de
campanha foram colocados em
um calabouço de castigo. 91% dos
ex-combatentes nunca tiveram
tratamento psicológico. Também
há uma negação de falar de seus
fantasmas interiores. Há vários
casos de estresse pós-traumático,
violência familiar, alcoolismo, dependência de drogas.
Folha - Como foi sua experiência?
Esteban - Eu fui para a guerra
aos 19 anos. Nessa idade, você
quer estudar, trabalhar, jogar bola, viajar. Não enfrentar a morte.
Nos deixaram essa carga emocional, há muitas seqüelas.
Folha - Você sofre com pesadelos, depressão?
Esteban - Não posso me queixar.
Sempre tive tratamento psicológico, fiz teatro e escrevi o livro, que
foi uma grande terapia. Mas os
fantasmas continuam. Fui o primeiro ex-combatente a voltar às
Malvinas, em 1999, como jornalista da Telemundo. Pensei que eu
passaria por cima da história facilmente, mas a história é que passou por cima de mim. Fiquei com
uma angústia terrível, sofri, vi que
as feridas voltaram a se abrir.
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