São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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"A história passou por cima de mim"

DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista Edgardo Esteban, 43, lutou nas Malvinas quando tinha 19 anos. No livro "Malvinas -Diario del Regreso", conta sua história, que também inspirou o filme "Iluminados Pelo Fogo". "Antes, ninguém falava do assunto, hoje fazemos autocrítica. Os argentinos se deram conta de que os ex-combatentes também são vítimas da ditadura." Leia trechos da entrevista que Esteban deu à Folha. (SC e RJL)
 

Folha - A Guerra das Malvinas deixou de ser tabu?
Edgardo Esteban -
Só agora os argentinos fazem autocrítica. Antes, ninguém queria lembrar de que, quando Galtieri anunciou a conquista das ilhas, foi a sociedade argentina que lotou a Praça de Maio. Gritavam "Que venham os ingleses, que as ilhas são nossas".

Folha - Os ex-combatentes não tiveram algum reconhecimento?
Esteban -
Aqui se esqueceu que nós também éramos vítimas da ditadura militar. Ficamos vivos e não tínhamos nada a ver com o governo de Galtieri. Fomos inocentes para lá. A sociedade argentina nos deu as costas.

Folha - Já houve mais suicídios do que mortos em combate. Não houve nenhum acompanhamento psicológico depois?
Esteban -
Mais de 350 ex-combatentes se suicidaram. Não tivemos nenhum apoio. Os militares queriam nos esconder. Era um fardo, os soldadinhos que chegavam magrinhos, mortos de fome... Nos davam pouca comida, lutando sob 15, 20 graus negativos. Soldados que foram pegos pegando comida no armazém de campanha foram colocados em um calabouço de castigo. 91% dos ex-combatentes nunca tiveram tratamento psicológico. Também há uma negação de falar de seus fantasmas interiores. Há vários casos de estresse pós-traumático, violência familiar, alcoolismo, dependência de drogas.

Folha - Como foi sua experiência?
Esteban -
Eu fui para a guerra aos 19 anos. Nessa idade, você quer estudar, trabalhar, jogar bola, viajar. Não enfrentar a morte. Nos deixaram essa carga emocional, há muitas seqüelas.

Folha - Você sofre com pesadelos, depressão?
Esteban -
Não posso me queixar. Sempre tive tratamento psicológico, fiz teatro e escrevi o livro, que foi uma grande terapia. Mas os fantasmas continuam. Fui o primeiro ex-combatente a voltar às Malvinas, em 1999, como jornalista da Telemundo. Pensei que eu passaria por cima da história facilmente, mas a história é que passou por cima de mim. Fiquei com uma angústia terrível, sofri, vi que as feridas voltaram a se abrir.


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