São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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ORIENTE MÉDIO

Território vê proliferação de grupos armados ligados às diferentes facções; divisão aparece até na vida acadêmica

Gaza troca ação anti-Israel por caos interno

MICHEL GAWENDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEL AVIV

Até setembro do ano passado, os grupos armados da faixa de Gaza lutavam contra a ocupação militar de Israel. Mas depois que os colonos e tropas foram retirados e da vitória eleitoral do Hamas, as milícias passaram a lutar entre si, em conflitos que envolvem política, religião, rixas entre famílias, honra pessoal, corrupção e contrabando de armas e drogas. Em vez de Intifada, o levante contra a ocupação, os palestinos falam agora em fauda (caos) e fitna (guerra civil).
De um lado estão a polícia oficial palestina (conhecida como os "guardas azuis") e grupos ligados ao Fatah, do presidente Mahmoud Abbas, que tenta reter um pouco do poder perdido na eleição. São cerca de 60.000 homens com salários atrasados.
Do outro, o Hamas, do premiê Ismail Haniya, e seus aliados radicais islâmicos, que reúnem cerca de 10 mil membros de grupos terroristas com disposição de fanatismo religioso e nacionalista.
Os conflitos já deixaram pelo menos 40 feridos. E novos grupos estão aparecendo, aderindo a algum dos lados. Em geral, são formados por chamulas (clãs) com acesso a armas contrabandeadas através de túneis na fronteira com o Egito, ou desviadas da polícia.
"Praticamente cada um dos grandes clãs tem uma força armada. O Hamas foi eleito com uma agenda para controlar este caos, mas não tem como fazer isso", disse Shalom Harari, brigadeiro-general da reserva do serviço de Inteligência do Exército de Israel, que foi conselheiro de assuntos árabes em diversos governos israelenses.
Com a falta de comando, essas milícias acabam servindo para resolver problemas familiares. "O ambiente de caos é perfeito para o acerto de contas entre pessoas. Uma dívida antiga, uma disputa por um terreno, ou mesmo uma paquera vira motivo para matar", diz Bassem Eid, dirigente do Grupo Palestino de Monitoramento de Direitos Humanos.
Somente na semana passada, dois novos grupos foram anunciados: as Brigadas Yasser Arafat, ligadas ao Fatah, e uma facção dos Comitês de Resistência Popular, que desfilou com cerca de 50 homens mascarados em de Gaza e anunciou apoio ao Hamas.
Em Gaza há cerca de 60 mil armas oficiais e outras 60 mil ilegais, nas mãos de grupos desse tipo, estimam as organizações de direitos humanos. Na prática, nem Abbas, nem Haniya têm o "falatam", expressão árabe para controle militar, essencial para se governar.
Cada milícia defende seus próprios interesses. Por exemplo, membros do Fatah invadiram diversos escritórios do governo para exigir salários e foram confrontados por guardas das Brigadas Izzedin al-Qassam, do Hamas. A população aplaudiu a atitude dos islamistas, vistos como um foco de honestidade em contrapeso à corrupção da OLP.
Dirigentes palestinos afirmam que autoridades do Fatah perderam fontes de corrupção com a chegada do Hamas ao poder. Armas, drogas, cigarros e produtos eletrônicos são contrabandeados para Gaza pela fronteira com o Egito, ou por túneis. As antigas autoridades do Fatah eram acusadas de receber suborno para fazer vista grossa.
Na cidade de Gaza, a divisão também aparece na vida acadêmica. Enquanto a Universidade Islâmica é uma fortaleza do Hamas, a Universidade Al Azar é o reduto do Fatah, com bandeiras amarelas das Brigadas de Mártires de Al Aqsa penduradas nos postes ao redor do pátio central.
Os prédios das duas instituições ficam frente a frente, separadas por um jardim bem cuidado no centro da cidade. Os alunos se enfrentam a pedradas.
A guerra de palavras está ficando pior. O líder político do Hamas, Khaled Meshaal, que mora em Damasco, capital da Síria, acusou Abbas de tentar dar um golpe para derrubar o Hamas e chamou os membros do Fatah de "mercenários miseráveis". Abbas respondeu que Meshaal está incentivando uma guerra civil.
Os conflitos em Gaza começaram depois que Abbas vetou o nome do Hamas para o comando militar no território de 3,5 milhões de habitantes. O homem indicado, AbuSamhadanah, é um terrorista procurado por Israel.
Mas a divisão entre a OLP, de onde surgiu o Fatah, que tem orientação secular, e os grupos islâmicos começou bem antes: depois da Guerra dos 6 dias, em 1967, quando a faixa de Gaza e a Cisjordânia foram capturadas por Israel. Nesta última eleição, o conflito cristalizou-se.
"Não vejo sinais de melhora e há muita tensão. Não se pode negar que há uma forte possibilidade de guerra civil", afirma o ativista dos direitos humanos Eid.


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