São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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ELEIÇÕES NOS EUA

Especialistas e políticos atacam segurança do sistema; Califórnia ameaça banir seu uso em novembro

Americanos questionam urna eletrônica

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

A cinco meses da eleição presidencial, o fantasma de um fiasco como o ocorrido na apuração da Flórida em 2000 assombra os Estados Unidos. Desta vez, porém, não são as antiquadas cédulas em papel que causam incertezas, e sim as urnas eletrônicas.
A adoção de um sistema eletrônico de votação em boa parte do país vai fazer com que cerca de 50 milhões de americanos, quase um terço do eleitorado, votem em computadores.
Só que o sistema eletrônico está sendo atacado por especialistas em computação, parlamentares e grupos de ativistas. Além de criticar o funcionamento -houve problemas em vários Estados durante as primárias-, os opositores da votação digital afirmam que ela abre ampla avenida para fraudes, reproduzindo uma discussão que até hoje ainda não acabou no Brasil (leia texto abaixo).
As principais queixas são de que não há como se fazer uma recontagem, caso necessária, e que o eleitor não tem como saber que o seu voto foi anotado corretamente. A solução mais defendida é o voto impresso: uma impressora é acoplada à urna, e o eleitor confere, por um vidro, a cédula antes de ela ir para um recipiente.
Segundo o Electionline.org, site da Fundação Pew para monitorar a reforma eleitoral, parlamentares ou autoridades eleitorais de 25 Estados estão ou propondo leis ou baixando normas determinando o uso de impressoras. Outros 18 Estados adotaram o sistema digital sem o voto impresso.

Medo da Flórida
Rebecca Mercuri, pesquisadora associada da Universidade Harvard, acredita que os Estados aderiram à novidade por medo. "Muitas autoridades eleitorais me disseram literalmente "não queremos ser a próxima Flórida". Se elas acreditam, como lhes foi dito, que ter papel significa ter uma eleição não-confiável, então elas não querem isso."
Para Mercuri, o melhor sistema é o de scanners óticos (do tipo usado em casas lotéricas; o eleitor escolhe o número, ou candidato, marcando com uma caneta).
No final de abril, as urnas eletrônicas sofreram um grande golpe: o secretário de Estado da Califórnia, Kevin Shelley, proibiu o uso de 14 mil máquinas da empresa Diebold (uma de suas subsidiárias, a Diebold Procomp, fabrica as urnas brasileiras) em novembro, a menos que mudanças sérias fossem implementadas.
Shelley ainda ameaça processar a empresa por "ações fraudulentas". As acusações são de que a Diebold instalou softwares que não haviam sido testados nem certificados e que mentiu a respeito disso para as autoridades. "Não vamos tolerar a conduta enganosa da Diebold e devemos mandar uma mensagem clara: não tentem dar um golpe nos eleitores da Califórnia", afirmou Shelley em comunicado à imprensa.
Também não contribuiu em nada para a imagem da Diebold quando se descobriu que, em 2003, o presidente da empresa, Walden O'Dell, mandou uma carta a várias pessoas com um pedido de doações para o Partido Republicano em que afirmava: "Estou comprometido a ajudar Ohio a dar seus votos no Colégio Eleitoral ao presidente [George W. Bush] no ano que vem".
A credibilidade do sistema da Diebold já havia ficado abalada com a divulgação de vários estudos feitos em 2003 apontando sérias deficiências. O mais notório desses relatórios foi um produzido por uma associação do Instituto de Segurança em Informação da Universidade Johns Hopkins com a Universidade Rice. O diretor do instituto, o professor de ciência da computação Aviel Rubin, e sua equipe analisaram 49 mil linhas de programação (que a Diebold diz ser apenas uma pequena parte de todo o pacote) e chegaram à conclusão de que o sistema tem falhas gravíssimas.
"Se eu fosse o criador de uma máquina dessas, eu poderia decidir quem seria o presidente. Quem quisesse comprar uma eleição teria apenas de subornar um dos programadores. E não há nada que possa ser feito para detectar isso, porque é muito fácil esconder dentro do software o que ele realmente faz. Você pode fazer parecer que está fazendo uma coisa quando, na verdade, está fazendo outra", afirma Rubin, que, pelo impacto de seu relatório, foi chamado a depor no Congresso e recebeu um prêmio da fundação Electronic Frontier.
Com todo esse debate, restam poucas dúvidas de que haverá fortes emoções na eleição deste ano, a qual promete ser tão disputada quanto a de Bush e Al Gore. Em 2000, a batalha de recontagens e impugnações das cédulas de papel que eram perfuradas e não mostravam claramente o voto do eleitor, na Flórida, só foi decidida 36 dias depois do pleito com uma decisão da Suprema Corte.
"Acho que há uma alta probabilidade de termos controvérsias. Não necessariamente porque haverá mais problemas. Com essa disputa acirrada, haverá mais gente olhando atentamente para que seus candidatos não sejam prejudicados", afirma Doug Chapin, diretor do Electionline.org.


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