São Paulo, domingo, 30 de maio de 2010

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Universidade de babás

Filhas da classe média do Reino Unido pagam R$ 66 mil para aprender a cuidar de crianças e realizar sonho de viajar pelo mundo

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A BATH (REINO UNIDO)

Os cabelos são impecavelmente presos, e o uniforme marrom-claro ganha luvas e chapéu quando vai à rua. Os rostos são corados, os olhares atentos, os gestos comedidos e os sorrisos generosos. Todas têm 18 ou 19 anos. E todas desembolsaram 25 mil libras esterlinas (R$ 66 mil) pelo sonho de ser babá.
Não é pouco dinheiro para um curso de dois anos -nem no Reino Unido, onde o Norland College foi criado em 1892.
A Universidade de Cambridge, que tem 801 anos e é uma das mais prestigiadas do mundo, cobra 3.290 libras de anuidade, "como 99% das universidades britânicas", segundo seu site (estrangeiros pagam ali em torno de 10 mil libras ao ano). A PUC-SP cobra pelo ano do curso de pedagogia R$ 10.284.
"Sempre soube que queria trabalhar com crianças", diz uma animada Rebecca Esposto, 18. "Descobri que esse lugar existia quando eu tinha uns 10, 11 anos, e fiz tudo na escola já focando o cuidado infantil."
O Norland atrai alunas (a instituição formou apenas um homem até hoje) assim: entrou para o imaginário local com a reputação de educar as melhores babás do Reino Unido. E são britânicas as grandes babás do cinema e da literatura, o que dá a medida da obsessão do país pelas colegas de Mary Poppins.
Seu bacharelado, embora envolva também atividades como trocas de fraldas, tem carga acadêmica e é validado pela Universidade de Gloucestershire como Estudos da Primeira Infância.
Foram parar nos braços de meninas formadas ali bebês reais e rebentos de gente como o roqueiro Mick Jagger e o tenista Roger Federer.
O colégio, que tem uma agência de empregos para suas formandas, não revela quem são seus clientes. Mas não nega a lista estrelada: "É claro que as alunas estão em lugares altos".

PELO MUNDO
Uma babá do Norland pode ganhar entre 400 e 600 libras por semana em início de carreira, o que equivale a um salário de até R$ 6.300.
Mas não é o dinheiro que atrai essas meninas, a maioria das quais bem educadas em famílias de classe média que se desdobram para pagar as anuidades. É a possibilidade de rodar o mundo.
Em uma rodinha, Emily Rose, Lucy Leaning, Katy King, 19, e Stephanie Reading, 18, são unânimes no que as levou para lá.
"Quero viajar muito", afirma Emily, cujo interesse pela profissão cresceu quando ela cuidava do irmão mais novo, autista. "E também penso em abrir um berçário. Quero me especializar em crianças que precisem de atenção especial", diz ela.
A ruiva miúda e falante é a mais empreendedora da turma. Suas colegas se contentam apenas com a primeira parte do objetivo, as viagens. Katy quer ser enfermeira de recém-nascidos, mas reclama da carga excessiva de estudos para tanto.
A perspectiva de empregabilidade, mesmo na crise, é alta. Rebekah Frankcom, encarregada da agência de empregos e relações-públicas do Norland, diz que a procura pelas supernannies não mudou nem com o retrocesso de mais de 3% do Produto Interno Bruto britânico.
"Não é tão caro quanto parece. Eu que sou mãe de gêmeos, se precisar mandar os dois para a creche, provavelmente gastarei mais do que se contratar alguém em casa", afirma. A busca pelo colégio tampouco caiu. As turmas continuam cheias, com 40 a 45 alunas.

À MODA ANTIGA
O tom retrô do Norland não se limita ao visual das meninas, que se divertem com a singularidade e o respeito que os uniformes lhes conferem.
O colégio hoje instalado em uma casa ampla erguida pelo duque de York na cidade histórica de Bath (a 180 km de Londres) exibe em seu salão central cartas de nobres -inclusive uma da rainha Maria, mulher do rei George 5º (1865-1936)- endossando o trabalho de suas formandas.
E se vangloria de ensiná-las a usar com as crianças técnicas antigas. Nada de eletrônicos, TVs e videogames. Em uma das salas, a reportagem encontrou um livro de tecido trabalhosamente confeccionado por uma das alunas. Em outro canto, um tapete de jogos.
As babás ali são treinadas para estimular a imaginação da criança, com fantoches, brincadeiras ao ar livre e teatrinhos, por exemplo. Aprendem desde técnicas pedagógicas até noções de saúde infantil, recebendo o preparo básico de uma enfermeira.
Mas elas também fazem aulas práticas -de cada duas semanas, uma é passada dentro da sala de aula, e a outra em creches, enfermarias, casas de família ou escolinhas- e muitas vezes focam obviedades.
A aula acompanhada pela Folha, sobre acidentes domésticos, limitava-se a listar locais da casa onde as crianças correm risco.
As babás aprendem a cozinhar para os bebês e as crianças e a estar sempre muito presentes e muito próximas. Por isso, talvez, o que elas tenham em comum seja uma quase devoção.
Em um berçário onde bonecas fazem as vezes dos bebês para que se ensine a manejar, por exemplo, casos de morte súbita do recém-nascido, duas alunas instadas pela reportagem a mostrar o que aprendem ali pegam os brinquedos nos braços, fazem contato visual e falam com ele mesmo sem saber que estão sendo observadas pela professora.
"O mais difícil", diz em outra sala Lisa Arnold, 19, "é explicar aos amigos porque escolhemos vir para cá", diz. "Muita gente acha que é algo que se aprende tentando. Mas são, sim, precisos dois anos para você entender todo o processo pelo qual passa a criança e poder apoiá-la de fato no início da vida."


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