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Universidade de babás
Filhas da classe média do Reino Unido pagam R$ 66 mil para aprender a cuidar de crianças e realizar sonho de viajar pelo mundo
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A
BATH (REINO UNIDO)
Os cabelos são impecavelmente presos, e o uniforme
marrom-claro ganha luvas e
chapéu quando vai à rua. Os
rostos são corados, os olhares atentos, os gestos comedidos e os sorrisos generosos.
Todas têm 18 ou 19 anos. E todas desembolsaram 25 mil libras esterlinas (R$ 66 mil) pelo sonho de ser babá.
Não é pouco dinheiro para
um curso de dois anos -nem
no Reino Unido, onde o Norland College foi criado em
1892.
A Universidade de Cambridge, que tem 801 anos e é
uma das mais prestigiadas
do mundo, cobra 3.290 libras
de anuidade, "como 99% das
universidades britânicas",
segundo seu site (estrangeiros pagam ali em torno de 10
mil libras ao ano). A PUC-SP
cobra pelo ano do curso de
pedagogia R$ 10.284.
"Sempre soube que queria
trabalhar com crianças", diz
uma animada Rebecca Esposto, 18. "Descobri que esse
lugar existia quando eu tinha
uns 10, 11 anos, e fiz tudo na
escola já focando o cuidado
infantil."
O Norland atrai alunas (a
instituição formou apenas
um homem até hoje) assim:
entrou para o imaginário local com a reputação de educar as melhores babás do Reino Unido. E são britânicas as
grandes babás do cinema e
da literatura, o que dá a medida da obsessão do país pelas colegas de Mary Poppins.
Seu bacharelado, embora
envolva também atividades
como trocas de fraldas, tem
carga acadêmica e é validado
pela Universidade de Gloucestershire como Estudos da
Primeira Infância.
Foram parar nos braços de
meninas formadas ali bebês
reais e rebentos de gente como o roqueiro Mick Jagger e o
tenista Roger Federer.
O colégio, que tem uma
agência de empregos para
suas formandas, não revela
quem são seus clientes. Mas
não nega a lista estrelada: "É
claro que as alunas estão em
lugares altos".
PELO MUNDO
Uma babá do Norland pode ganhar entre 400 e 600 libras por semana em início de
carreira, o que equivale a um
salário de até R$ 6.300.
Mas não é o dinheiro que
atrai essas meninas, a maioria das quais bem educadas
em famílias de classe média
que se desdobram para pagar as anuidades. É a possibilidade de rodar o mundo.
Em uma rodinha, Emily
Rose, Lucy Leaning, Katy
King, 19, e Stephanie Reading, 18, são unânimes no
que as levou para lá.
"Quero viajar muito", afirma Emily, cujo interesse pela
profissão cresceu quando ela
cuidava do irmão mais novo,
autista. "E também penso em
abrir um berçário. Quero me
especializar em crianças que
precisem de atenção especial", diz ela.
A ruiva miúda e falante é a
mais empreendedora da turma. Suas colegas se contentam apenas com a primeira
parte do objetivo, as viagens.
Katy quer ser enfermeira de
recém-nascidos, mas reclama da carga excessiva de estudos para tanto.
A perspectiva de empregabilidade, mesmo na crise, é
alta. Rebekah Frankcom, encarregada da agência de empregos e relações-públicas
do Norland, diz que a procura pelas supernannies não
mudou nem com o retrocesso
de mais de 3% do Produto Interno Bruto britânico.
"Não é tão caro quanto parece. Eu que sou mãe de gêmeos, se precisar mandar os
dois para a creche, provavelmente gastarei mais do que
se contratar alguém em casa", afirma. A busca pelo colégio tampouco caiu. As turmas continuam cheias, com
40 a 45 alunas.
À MODA ANTIGA
O tom retrô do Norland
não se limita ao visual das
meninas, que se divertem
com a singularidade e o respeito que os uniformes lhes
conferem.
O colégio hoje instalado
em uma casa ampla erguida
pelo duque de York na cidade histórica de Bath (a 180
km de Londres) exibe em seu
salão central cartas de nobres -inclusive uma da rainha Maria, mulher do rei
George 5º (1865-1936)- endossando o trabalho de suas
formandas.
E se vangloria de ensiná-las a usar com as crianças
técnicas antigas. Nada de
eletrônicos, TVs e videogames. Em uma das salas, a reportagem encontrou um livro de tecido trabalhosamente confeccionado por uma
das alunas. Em outro canto,
um tapete de jogos.
As babás ali são treinadas
para estimular a imaginação
da criança, com fantoches,
brincadeiras ao ar livre e teatrinhos, por exemplo. Aprendem desde técnicas pedagógicas até noções de saúde infantil, recebendo o preparo
básico de uma enfermeira.
Mas elas também fazem
aulas práticas -de cada duas
semanas, uma é passada
dentro da sala de aula, e a outra em creches, enfermarias,
casas de família ou escolinhas- e muitas vezes focam
obviedades.
A aula acompanhada pela
Folha, sobre acidentes domésticos, limitava-se a listar
locais da casa onde as crianças correm risco.
As babás aprendem a cozinhar para os bebês e as
crianças e a estar sempre
muito presentes e muito próximas. Por isso, talvez, o que
elas tenham em comum seja
uma quase devoção.
Em um berçário onde bonecas fazem as vezes dos bebês para que se ensine a manejar, por exemplo, casos de
morte súbita do recém-nascido, duas alunas instadas pela reportagem a mostrar o
que aprendem ali pegam os
brinquedos nos braços, fazem contato visual e falam
com ele mesmo sem saber
que estão sendo observadas
pela professora.
"O mais difícil", diz em
outra sala Lisa Arnold, 19, "é
explicar aos amigos porque
escolhemos vir para cá", diz.
"Muita gente acha que é algo
que se aprende tentando.
Mas são, sim, precisos dois
anos para você entender todo o processo pelo qual passa a criança e poder apoiá-la
de fato no início da vida."
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