São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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ARGENTINA

Tribunal estudará anulação de duas leis que protegem policiais e militares acusados por crimes durante a ditadura

Procurador pede à Corte Suprema que invalide anistia

JOÃO SANDRINI
DE BUENOS AIRES

O procurador-geral da Argentina, Nicolás Becerra, concedeu ontem parecer favorável para a anulação de duas leis de anistia que dificultam a punição de militares e policiais por crimes contra os direitos humanos cometidos na última ditadura (1976-1983).
Segundo o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), autor de uma ação que motivou o parecer de Becerra, o procurador pede à Corte Suprema de Justiça a anulação das leis do Ponto Final e de Obediência Devida, aprovadas durante o governo do ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989).
A Lei do Ponto Final, decretada em 1986, determinou que, a partir daquela data, não poderiam ser abertos novos processos contra os militares por crimes cometidos durante a ditadura. Já a Lei de Obediência Devida, aprovada em 1987, anistiou todos os militares de baixo escalão que teriam atuado na repressão ilegal a mando de oficiais superiores.
Uma decisão favorável da Corte Suprema abriria um precedente para que outros juízes de instâncias inferiores processem mais facilmente centenas de militares que teriam sido responsáveis pelo desaparecimento de pelo menos 15 mil pessoas no período.
Esse é o caso, por exemplo, do ex-presidente Leopoldo Fortunato Galtieri (1981-1982), que está detido em prisão domiciliar por ordem do juiz federal Claudio Bonadio. Galtieri é acusado de ser co-responsável pelo sequestro e assassinato de 18 integrantes do grupo Montenores, uma guerrilha de esquerda ligada ao Partido Justicialista (peronista) que atuou durante o período da ditadura.
A decisão do governo dos EUA de divulgar, na semana passada, mais de 4.600 documentos secretos da diplomacia americana do período da ditadura pode trazer novas provas aos processos em andamento e complicar a situação dos envolvidos na repressão.

Anistia
As leis do Ponto Final e de Obediência Devida foram estabelecidas por Alfonsín para reduzir as pressões das Forças Armadas. Descontentes com a prisão de vários oficiais até 1985, os militares começaram a promover uma série de rebeliões que colocaram em risco o governo de Alfonsín.
Nas próximas semanas, a Corte Suprema analisará o processo sobre o desaparecimento do chileno José Poblete e sua mulher argentina Gertrudis Hlaczik, sequestrados em 1978 juntamente com a filha Claudia, de oito meses.
O casal era membro de uma organização ligada ao peronismo -na época, considerado um partido de esquerda- que promovia campanhas de auxílio a deficientes físicos. Eles permaneceram presos em um centro de torturas, em Buenos Aires.
De acordo com o Centro de Estudos Legais e Sociais, autor da ação, os ex-policiais Julio Simón e Juan Antonio del Cerro teriam sido responsáveis pelo posterior desaparecimento do casal.
Em primeira instância, o juiz federal Gabriel Cavallo já havia decretado, em março de 2001, a inconstitucionalidade das leis de Ponto Final e Obediência Devida para processar os dois ex-policiais. Em novembro, a sentença foi confirmada em segunda instância pela Câmara Federal e, agora, será analisada pela primeira vez pela Corte Suprema.


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