São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2005

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ANÁLISE

EUA já reduzem expectativas sobre o Iraque

STEVEN R. WEISMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Enquanto a nova Constituição iraquiana era submetida à Assembléia Nacional, sob boicote sunita, o presidente Bush elogiava a Carta, descrevendo-a como marco na transição para a democracia e na luta contra a insurgência.
Entretanto, no clima de confusão que se evidencia em Bagdá, com os sunitas e mesmo alguns setores xiitas prometendo derrotar a Constituição e outros, irados, prevendo um aumento na violência contrária ao governo, as afirmações do presidente parecem querer dar a impressão de que a situação não é tão ruim quanto é.
Vários integrantes do governo reconheceram sentir profunda frustração pelo fato de seus esforços não terem resultado em um documento capaz não apenas de defender os direitos humanos, mas também de trazer para dentro do processo político um enorme setor insatisfeito, como os EUA esperavam.
Reduzindo suas expectativas, funcionários do governo Bush disseram anteontem que seu objetivo agora é manter o processo político vivo, mesmo que a Constituição seja rejeitada em outubro, e, com isso, impedir que os sunitas insatisfeitos ajudem a gerar ainda mais violência.
Não faz muito tempo que Washington hesitava em ser visto como interferente na política interna iraquiana. Na quinta-feira, porém, num esforço de último momento para conseguir um acordo que satisfizesse a todos os setores, Bush telefonou a xiitas para pedir que eles se mostrassem mais aberto aos interesses sunitas. A tentativa fracassou.
O momento em que aconteceu o revés com a Constituição foi especialmente duro para Bush, após um verão no qual as mortes contínuas de soldados americanos provocaram uma queda grande de sua popularidade.
Além disso, o Congresso está retomando suas críticas à estratégia de guerra. E, o que é menos evidente, o governo enfrenta os receios dos árabes em relação ao caos no Iraque e o que eles vêem dizem ser a influência iraniana sobre os partidos xiitas iraquianos.
Alguns especialistas disseram que os líderes sunitas atraídos para o processo, por exemplo, não tinham a força necessária para fechar acordos com as lideranças xiitas e curdas, ou que, possivelmente, tenham se sentido intimidados, depois de vários líderes sunitas de destaque terem sido mortos recentemente por cumplicidade com o governo.
"Com algumas exceções, os convocados não eram as maiores lideranças", disse Noah Feldman, professor de direito na Universidade de Nova York que já atuou como consultor da ocupação. "Eles tentaram usar de manipulação política, mas agora precisam colocar suas cartas na mesa. Ao aplicar os prazos que estabeleceu, o governo demonstrou que estava disposto a excluir os sunitas."
Outros analistas disseram que a administração Bush calculou mal a força da reivindicação xiita de um super-Estado no sul do país, composto de cinco Províncias. Os americanos procuravam convencer os curdos a não exigir uma região autônoma no norte do Iraque. Eles ficaram sem saber como reagir quando os xiitas deixaram de se opor à autonomia dos curdos, e, em lugar disso, se uniram a eles, pedindo um Iraque descentralizado.
No final de semana, Bush pediu paciência. "Nossa própria Constituição não foi recebida com unanimidade", disse ele. O que ele deixou de fora da analogia foi que, no momento em que a Convenção Constitucional de Filadélfia se reuniu nos EUA, não estava acontecendo no país uma insurgência que crescia em razão da insatisfação com o processo político.


Tradução de Clara Allain

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