São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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Reforma de Obama reacende "guerra cultural" nos EUA

Plano para o sistema de saúde americano serve de pretexto para polarização inesperada em governo antes popularíssimo

Cai taxa de aprovação do presidente, sobe a audiência de emissoras enviesadas, e floresce o fenômeno do "homem branco raivoso"

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Horas depois do anúncio da morte de Ted Kennedy, na quarta, os democratas passaram a capitalizar. A aprovação pelo Congresso do empacado plano de reforma de saúde pública, disse o partido de Barack Obama, seria a melhor homenagem ao veterano senador.
De fato, o caçula dos irmãos do clã Kennedy foi o autor do esboço do projeto principal da lei que Obama quer que seja o marco de seu primeiro ano. Ele dizia que a reforma era a causa de sua vida. Poucas horas depois, também, o influente site conservador Drudge Report colocou no ar a manchete: "Lei de saúde da cova: Democratas promovem "Kennedycare'".
Passados quase oito meses da posse do presidente que foi eleito se dizendo bipartidário e pós-racial, os EUA se encontram tão divididos quanto no auge da era Bush. Três índices dão a dimensão do cisma:
1-Em levantamento do Gallup de quinta-feira, Obama caiu para 50% de aprovação nas pesquisas de popularidade, ante um pico de 69%. Já é menos que o resultado nas urnas, quando teve 52,9% dos votos, o que indica que o democrata não só torrou todo seu capital político como entrou no vermelho.
Se continuar nesse ritmo, de quase unanimidade, Obama passará a ser minoria no país a partir da semana que vem -o terceiro presidente a fazer isso tão rapidamente desde a Segunda Guerra. Bush pai e filho levaram três anos para cruzar aquela marca negativa.
2-Desde que Obama tomou posse, o número de ameaças ao ocupante da Casa Branca disparou 400%, segundo o estudioso Ronald Kessler, que acaba de lançar o livro "In The President's Secret Service" (Dentro do Serviço Secreto do Presidente, em tradução livre).
3-As audiências das partidárias emissoras de notícias Fox News (conservadora) e MSNBC (progressista) tiveram saltos recordes, a primeira com um ganho de 24% em relação ao período anterior, a segunda com aumento de 10%, segundo o Nielsen. Pela primeira vez, a CNN, mais imparcial, ficou em terceiro, com queda de 22%.

Mola propulsora
O motor da divisão é a proposta de reforma da saúde, que conservadores consideram socializante e que progressistas têm sido inábeis em defender. O plano de Obama torna a cobertura "universal" nos EUA, onde 47 milhões não têm planos privados e não podem contar com o sistema público.
Um dos pontos mais polêmicos é o que a oposição batizou de "painéis de morte". Trata-se na verdade de uma medida já descartada que permite que os segurados de certa idade contem com aconselhamento pago pelo governo em decisões como fazer testamentos.
Foi o pretexto para que florescesse o que analistas chamam de "fenômeno do homem branco raivoso". Os casos mais evidentes foram vistos nos eventos públicos de Obama pelo país, em que ele defendia o plano e em torno dos quais alguns oposicionistas apareceram armados e carregando cartazes ameaçadores. "Hoje, homens brancos simbolizam a resistência conservadora ao presidente democrata" negro, disse Michael Crowley, da revista "New Republic", citando números que mostram como esse eleitorado se tornou minoria.
Para o especialista John Kenneth White, autor do recém-lançado "Barack Obama's America" [A América de Barack Obama], parte da raiva em torno da reforma vem "do sentimento de que o poder mudou nos EUA, e o país que [esse eleitorado] achava que conhecia não existe mais".


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