São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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OLHAR BRASILEIRO

Distorcendo a democracia

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

Para entender as eleições americanas é preciso saber que o país é uma federação de Estados com alto grau de autonomia, e não um país unitário; que as eleições são ossificadas e os resultados se repetem, e que instituições e leis eleitorais influenciam os resultados.
Os Estados são as unidades das eleições presidenciais. Não há voto direto. O valor do voto está limitado às fronteiras do Estado.
A taxa de renovação dos mandatos legislativos é baixa. De 1964 a 2002, em 15 eleições a taxa de reeleição para a Câmara foi superior a 90% e, nas demais, superou 85%. Quase todos buscam a reeleição, e os gastos, consideravelmente mais elevados por parte dos que buscam a reeleição, conspiram contra a renovação. De 1988 a 1994, os gastos dos competidores foram 1/3 dos gastos dos que ocupavam a cadeira.
O voto distrital aumenta a influência dos deputados. O presidente transfere parte dos seus votos: é o chamado "presidential coattail effect", mas deputados (e senadores) também asseguram votos ao presidente. É um efeito contra a mudança. A ossificação já se delineia nestas eleições: dos 30 Estados em que Bush ganhou em 2000, em apenas um Kerry está na frente além da margem de erro, 4 são duvidosos e em 30 (86%) Bush está na frente por 5 pontos ou mais. Dos 21 Estados em que Gore ganhou, em nenhum Bush está à frente cinco pontos ou mais, 6 são duvidosos e em 21 (71%) Kerry ganha além da margem de erro. Em 40 Estados as pesquisas atuais confirmam resultados de 2000; em 10 está difícil prever; e em um só, até agora, houve mudança. Até hoje, 20 de outubro, as eleições de 2004 reproduzem as de 2000.
Alguns Estados perderam população e terão menos votos no Colégio Eleitoral; outros terão mais. As mudanças favorecem Bush. Todos os que ganharam dois votos no colégio (Arizona, Flórida, Geórgia e Texas) são dele ou tendem para ele. Ralph Nader, candidato "verde", pode prejudicar Kerry nos Estados em dúvida.
As instituições eleitorais americanas limitarão, mais uma vez, os resultados. O federalismo e o Colégio Eleitoral seriam obstáculos menores à representação dos eleitores se os votos do colégio fossem divididos proporcionalmente. Porém a regra é o "winner takes all" [o vencedor leva tudo], a grande responsável por presidentes serem eleitos com menos votos do que o adversário.
O voto optativo possibilita que candidatos com a maioria das preferências na sociedade recebam a minoria dos votos, o que prejudica os candidatos progressistas, apoiados pelos pobres e pelas minorias, cujas taxas de abstenção são mais altas.
O resultado não é uma foto do que quer a população. O ideal da representatividade perfeita vai sendo distorcido, passo a passo, por várias instituições políticas e eleitorais e pelos problemas da sociedade, extremamente desigual para uma sociedade industrial.


Gláucio Ary Dillon Soares é doutor em sociologia pela Washington University e professor aposentado da Universidade da Flórida.


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