São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Intenção dos EUA de ter equipes de reconstrução provincial em solo iraquiano deve fracassar, segundo analistas

Reconstrução afegã não é modelo para Iraque

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A secretária de Estado, Condoleezza Rice, declarou no Congresso americano, em 19 de outubro, que os EUA pretendem utilizar no Iraque a tática de criar equipes de reconstrução provincial (ERPs), a exemplo das existentes no Afeganistão, para expandir a presença militar dos americanos pelo interior do país. Contudo analistas consultados pela Folha disseram que a iniciativa tende a fracassar.
"Em tese, as ERPs são operações em que tanto militares quanto civis devem trabalhar lado a lado. No Afeganistão, todavia, isso ocorre dessa forma apenas nas regiões mais calmas, em que o risco de ataques de insurgentes é baixo. Assim, elas funcionam relativamente bem só no norte e no oeste do país", apontou Peter Viggo Jakobsen, do Instituto Dinamarquês para Estudos Internacionais.
"No sul e no leste do Afeganistão, regiões mais próximas à fronteira com o Paquistão, a insurgência composta por ex-membros do Taleban e por combatentes islâmicos estrangeiros é mais ativa e mina o trabalho das ERPs. Estas acabam, onde há forte ameaça de conflito, funcionando simplesmente como bases militares. No entanto deve-se ressaltar que, no Afeganistão, o objetivo de sua criação foi expandir o controle do poder central, não apenas combater a insurgência", acrescentou.
Com efeito, até o verão setentrional do ano passado, quando o número de ERPs se viu significativamente aumentado no Afeganistão, o governo central não tinha grande influência sobre o cotidiano das Províncias, que eram majoritariamente comandadas por líderes regionais -muitas vezes, senhores da guerra ou barões do contrabando ou da droga.
Essa foi, a propósito, a razão por que as ERPs foram criadas. A primeira foi estabelecida em Gardez, capital da Província de Paktia, perto da porosa e difícil fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.
"No Iraque, há um clima de conflagração. Com isso, não será possível dar ênfase ao lado civil das ERPs, que é o que tem alguma chance de conquistar os corações e as mentes da população. Afinal, as equipes civis de reconstrução realizam um trabalho de base, como a construção de poços, que é bem-visto pelos moradores das áreas em que elas atuam", analisou Rick Barton, diretor do Projeto para Reconstrução Pós-Conflito, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
Conforme disse à reportagem da Folha, em agosto último, Frank Gutierrez, capitão-de-fragata da Marinha dos EUA e comandante da base de Mehtar Lam -que, embora se situe no leste do Afeganistão, é uma região relativamente calma-, a missão oficial de sua equipe é "ajudar os afegãos na reconstrução da infra-estrutura local e na manutenção da segurança, expandindo o alcance do governo central pelo país".
No Iraque, de acordo com Barton, isso não será, portanto, possível, visto que a "violência da insurgência não permitirá que seja realizado o trabalho de recuperação da infra-estrutura de locais afastados dos grandes centros".
As bases das ERPs são em geral formadas por 80 militares e por três civis graduados (um representante da diplomacia do país que lidera a ação, um de sua agência de desenvolvimento internacional -Usaid, no caso americano- e um do Ministério da Agricultura, pois se trata de uma área crucial para a economia afegã).

Estratégia mais ampla
Para Jakobsen, as ERPs "não podem nem conseguem atacar as verdadeiras causas da insegurança no Afeganistão, e o mesmo ocorrerá no Iraque, onde a situação de segurança é ainda pior".
"As ERPs só têm sentido dentro de uma estratégia mais ampla de combate à violência, na qual elas serviriam para ganhar tempo, enquanto outros instrumentos seriam utilizados para lutar contra o Taleban e a Al Qaeda em algumas regiões do Afeganistão. Já no Iraque, será preciso, inicialmente, definir qual é a verdadeira estratégia de combate à insurgência e aos terroristas", afirmou Jakobsen.
Com o governo de George W. Bush cada vez mais pressionado internamente a conceber uma estratégia de retirada das tropas do Iraque, a criação de ERPs parece, de fato, fazer parte de uma estratégia para ganhar tempo. O problema maior é que não se sabe como o combate à insurgência e as iniciativas civis de reconstrução poderão ser conjugados no país.
E a própria essência das ERPs afegãs não faz sentido no Iraque, pois a autoridade do poder central já está difundida pelas diferentes regiões do país. "As ERPs foram criadas para dar força ao governo nas Províncias e não deveriam ser usadas como simples bases militares", afirmou Barton.

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