|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
IRAQUE SOB TUTELA
Intenção dos EUA de ter equipes de reconstrução provincial em solo iraquiano deve fracassar, segundo analistas
Reconstrução afegã não é modelo para Iraque
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A secretária de Estado, Condoleezza Rice, declarou no Congresso americano, em 19 de outubro,
que os EUA pretendem utilizar no
Iraque a tática de criar equipes de
reconstrução provincial (ERPs), a
exemplo das existentes no Afeganistão, para expandir a presença
militar dos americanos pelo interior do país. Contudo analistas
consultados pela Folha disseram
que a iniciativa tende a fracassar.
"Em tese, as ERPs são operações
em que tanto militares quanto civis devem trabalhar lado a lado.
No Afeganistão, todavia, isso
ocorre dessa forma apenas nas regiões mais calmas, em que o risco
de ataques de insurgentes é baixo.
Assim, elas funcionam relativamente bem só no norte e no oeste
do país", apontou Peter Viggo Jakobsen, do Instituto Dinamarquês para Estudos Internacionais.
"No sul e no leste do Afeganistão, regiões mais próximas à fronteira com o Paquistão, a insurgência composta por ex-membros do
Taleban e por combatentes islâmicos estrangeiros é mais ativa e
mina o trabalho das ERPs. Estas
acabam, onde há forte ameaça de
conflito, funcionando simplesmente como bases militares. No
entanto deve-se ressaltar que, no
Afeganistão, o objetivo de sua
criação foi expandir o controle do
poder central, não apenas combater a insurgência", acrescentou.
Com efeito, até o verão setentrional do ano passado, quando o
número de ERPs se viu significativamente aumentado no Afeganistão, o governo central não tinha
grande influência sobre o cotidiano das Províncias, que eram majoritariamente comandadas por
líderes regionais -muitas vezes,
senhores da guerra ou barões do
contrabando ou da droga.
Essa foi, a propósito, a razão por
que as ERPs foram criadas. A primeira foi estabelecida em Gardez,
capital da Província de Paktia,
perto da porosa e difícil fronteira
entre o Afeganistão e o Paquistão.
"No Iraque, há um clima de
conflagração. Com isso, não será
possível dar ênfase ao lado civil
das ERPs, que é o que tem alguma
chance de conquistar os corações
e as mentes da população. Afinal,
as equipes civis de reconstrução
realizam um trabalho de base, como a construção de poços, que é
bem-visto pelos moradores das
áreas em que elas atuam", analisou Rick Barton, diretor do Projeto para Reconstrução Pós-Conflito, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
Conforme disse à reportagem
da Folha, em agosto último,
Frank Gutierrez, capitão-de-fragata da Marinha dos EUA e comandante da base de Mehtar Lam
-que, embora se situe no leste do
Afeganistão, é uma região relativamente calma-, a missão oficial de sua equipe é "ajudar os afegãos na reconstrução da infra-estrutura local e na manutenção da
segurança, expandindo o alcance
do governo central pelo país".
No Iraque, de acordo com Barton, isso não será, portanto, possível, visto que a "violência da insurgência não permitirá que seja
realizado o trabalho de recuperação da infra-estrutura de locais
afastados dos grandes centros".
As bases das ERPs são em geral
formadas por 80 militares e por
três civis graduados (um representante da diplomacia do país
que lidera a ação, um de sua agência de desenvolvimento internacional -Usaid, no caso americano- e um do Ministério da Agricultura, pois se trata de uma área
crucial para a economia afegã).
Estratégia mais ampla
Para Jakobsen, as ERPs "não
podem nem conseguem atacar as
verdadeiras causas da insegurança no Afeganistão, e o mesmo
ocorrerá no Iraque, onde a situação de segurança é ainda pior".
"As ERPs só têm sentido dentro
de uma estratégia mais ampla de
combate à violência, na qual elas
serviriam para ganhar tempo, enquanto outros instrumentos seriam utilizados para lutar contra o
Taleban e a Al Qaeda em algumas
regiões do Afeganistão. Já no Iraque, será preciso, inicialmente,
definir qual é a verdadeira estratégia de combate à insurgência e aos
terroristas", afirmou Jakobsen.
Com o governo de George W.
Bush cada vez mais pressionado
internamente a conceber uma estratégia de retirada das tropas do
Iraque, a criação de ERPs parece,
de fato, fazer parte de uma estratégia para ganhar tempo. O problema maior é que não se sabe como o combate à insurgência e as
iniciativas civis de reconstrução
poderão ser conjugados no país.
E a própria essência das ERPs
afegãs não faz sentido no Iraque,
pois a autoridade do poder central já está difundida pelas diferentes regiões do país. "As ERPs
foram criadas para dar força ao
governo nas Províncias e não deveriam ser usadas como simples
bases militares", afirmou Barton.
Texto Anterior: Indonésia: Três adolescentes são decapitadas em ataque Próximo Texto: Condições de vida no Iraque pouco evoluíram Índice
|