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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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GUERRA SEM LIMITES

Para comitê parlamentar, proposta do premiê põe democracia em risco; associação policial apóia

Pacote dá superpoder a Blair contra terror

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

O governo do premiê britânico, Tony Blair, quer amplos poderes para lidar com ameaça de terrorismo e submeteu ao Parlamento um projeto que prevê inclusive desapropriações sem indenização e a proibição de manifestações em situações de emergência.
Mas a proposta, apresentada na quarta-feira, já enfrentou sua primeira derrota, com a divulgação de uma dura avaliação contrária feita pelo comitê conjunto do Parlamento criado para examinar o projeto. Segundo esse comitê, a proposta é ampla e vaga, podendo levar ao "desmantelamento da democracia" no Reino Unido.
O presidente do comitê, Lewis Moonie, ex-ministro da Defesa e parlamentar do Partido Trabalhista, o mesmo de Blair, disse que o governo apresentou uma proposta que não prevê salvaguardas contra o mau uso dos poderes excepcionais. "Nas mãos erradas, (a proposta) poderia ser usada para solapar ou eliminar a legislação de sustentação da Constituição britânica e infringir os direitos humanos", alertou. "Nossa democracia poderia ficar em perigo se o governo não levar em consideração nossas recomendações."
O projeto de lei que provocou essa reação prevê que o estado de emergência pode ser decretado pela rainha ou um ministro de Estado, a partir de uma decisão tomada com critérios "subjetivos e vagos", segundo o comitê. Durante esse estado de emergência seriam proibidas as apelações à Justiça, com base na legislação de direitos humanos, contra ações adotadas dentro desse período.
No caso de desapropriação, por exemplo, a obstrução dessa medida passaria a ser crime, e qualquer ação relacionada a isso seria decidida por um tribunal especial.
A proposta também prevê a criação de programas de desocupações de emergência e a proibição de manifestações ou reuniões. Pessoas presas dentro desse período poderiam ficar detidas por prazo indeterminado, sem acusação formal. "É o colapso da liberdade civil em um país que é o berço da democracia moderna e tem uma tradição secular de respeito aos direitos dos cidadãos", disse um porta-voz do grupo Stop the War (pare a guerra), um dos movimentos políticos que mais crescem no Reino Unido.

"Nova Guantánamo"
Se a legislação for aprovada como está, poderia ser criada uma "nova Guantánamo" (a prisão dos Estados Unidos onde estão detidos, sem julgamento, os acusados de terrorismo), segundo Barry Hugill, porta-voz da Liberty, outra respeitada ONG de defesa dos direitos humanos.
A comparação é especialmente delicada porque em Guantánamo estão presos cidadãos britânicos, e o governo Blair está em negociação com os Estados Unidos para que eles sejam transferidos ao Reino Unido e julgados de acordo com a legislação local.
Segundo o Stop the War, a definição de emergência no projeto é tão ampla, e os poderes, tão grandes, que, se estivesse em vigor em fevereiro deste ano, a ameaça de conflito no Iraque poderia ter sido invocada, e a grande passeata contra a guerra, quando mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas de Londres para protestar, poderia ter sido proibida.

Apoio da polícia
Mas a Associação dos Chefes de Polícia do Reino Unido (ACPO, na sigla em inglês) defendeu a legislação, alegando que as leis existentes estão em vigor há 80 anos e precisam ser atualizadas para enfrentar as novas ameaças. "Os poderes [de emergência] estariam sujeitos a um sistema triplo de salvaguardas, que são emergência séria, necessidade genuína e aplicação a uma área geográfica mínima necessária", disse Alan Goldsmith, diretor da ACPO.
Segundo ele, o projeto prevê que a decretação desses poderes seja feita de forma clara e obriga a prestação de contas de todas as etapas. Para Goldsmith, a proposta "é necessária para que as pessoas no países sejam protegidas de forma apropriada".
A Liberty reconhece a necessidade de atualizar a legislação, mas alega que o foco da proposta de mudanças está em ampliar a definição de emergência e aumentar os poderes caso aconteça uma situação assim. Mas a organização teme que o governo esteja usando o "atual clima de medo e incerteza para dar a si poderes enormes sem considerar a proporcionalidade", segundo o porta-voz.
Hugill observa que o governo Blair quer poderes que vão além daqueles considerados apropriados quando o país enfrentou a Segunda Guerra, a Guerra Fria e os mais de 30 anos de violência na Irlanda do Norte, que muitas vezes afetou o Reino Unido. Segundo as duas organizações, que estão em campanha contra o projeto, ainda é cedo para dizer se ele será alterado de forma significativa por pressão do Parlamento, porque o governo tem maioria.


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