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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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POPULAÇÃO

Para sociólogo, grande fluxo de imigrantes é tanto uma "bomba-relógio" como um "tremendo patrimônio" para o país

Imigrante é problema e solução nos EUA

DE WASHINGTON

A explosão dos níveis de imigração pode originar tanto uma "bomba-relógio" quanto um ""um tremendo patrimônio" para os EUA em um mundo que está envelhecendo rapidamente.
Para o sociólogo Stephen Klineberg, considerado um dos maiores especialistas em imigração nos EUA, as transformações recentes na economia americana e no fluxo de imigração colocarão os EUA "em xeque" em breve.
"O problema é que a realidade presente no século 21, de globalização econômica e de pessoas, ainda convive com uma ideologia do século passado no tratamento dos problemas decorrentes disso", afirma. Leia entrevista telefônica que Klineberg concedeu à Folha da Universidade Rice, no Texas. (FERNANDO CANZIAN)

Folha - A imigração para os EUA ganhou um novo ritmo e vem batendo recordes. Quais as mudanças causadas pelo fenômeno e quais desafios ele impõe ao país?
Stephen Klineberg -
No curto prazo, os custos podem ser grandes, mas os benefícios vão aparecer. Há muita controvérsia a respeito do ritmo da imigração, mas não há dúvidas de que o país vai se beneficiar enormemente no futuro. Os EUA estão passando por uma nova transformação.
Mais de 85% dos que chegaram aos EUA entre 1492 e 1965 vieram da Europa. Outros 12% dos habitantes eram africanos, trazidos como escravos, e havia um punhado de chineses trabalhando em áreas rurais na Califórnia.
A partir de 1965, 85% da imigração aos EUA passou a vir de todos os outros países do mundo, menos da Europa. Os imigrantes agora vêm da Ásia, da América Latina, da África e do Caribe.
O Censo de 2000 encontrou 31,1 milhões de imigrantes no país, o equivalente à metade da população da França. Nos últimos dez anos, a população combinada de afro-americanos, asiáticos e hispânicos cresceu 12 vezes mais rápido dos que a de europeus.
Essa nova onda de imigrantes transformou os EUA em um grande microcosmo do mundo, ao mesmo tempo em que a economia americana está se integrando a uma economia global cada vez mais rapidamente. Há potencial enorme para o país se soubermos aproveitar esses dois elementos. Os imigrantes podem ser uma grande fonte de força para os EUA no futuro.
O problema é que a realidade presente no século 21, de globalização econômica e de pessoas, ainda convive com uma ideologia do século passado no tratamento dos problemas decorrentes disso.

Folha - Quem são esses novos imigrantes? A imagem convencional é de pessoas em desespero que chegam e se sujeitam a qualquer salário nos EUA, pois o país precisa dessa mão-de-obra.
Klineberg -
Essa nova onda migratória traz pessoas com níveis educacionais cada vez mais altos, o que nunca havia ocorrido em outras fases da imigração. Há três ou quatro gerações, chegavam aos EUA apenas trabalhadores braçais sem educação. Hoje, temos um enorme fluxo de imigrantes com alto nível, muitas vezes maior do que o dos próprios americanos, especialmente de países africanos e asiáticos. Muitos também vêm do Brasil.
Por outro lado, ainda temos uma forte imigração, do México, do Caribe e da América Latina, em geral de pessoas sem educação que vêm em busca de salários e de uma vida melhor. Por isso é impossível controlar a imigração. Ela é uma questão de sobrevivência para essas pessoas.
O fato é que as transformações recentes na economia americana e no fluxo de imigração colocarão os EUA em xeque em um futuro próximo. Os EUA e a sua configuração econômica, com dois terços da economia concentrada no setor de serviços, ficarão cada vez mais dependentes de trabalhadores especializados e educados.
Por outro lado, é verdade que a economia americana depende muito desses imigrantes menos educados, que trabalham muito por pouco.
Isso gera um grande desafio. Temos milhões de imigrantes ilegais ainda em situação terrível, explorados pelo fato de quererem trabalhar aqui de qualquer maneira. Eles estão em toda parte: nas construções, nos jardins das casas, nos supermercados. E todas as cidades que os têm em grande número estão sendo beneficiadas.
A grande questão, portanto, é: o que vai acontecer com seus filhos e com uma economia cada vez mais dependente de mão-de-obra educada?
Os filhos dos imigrantes hoje frequentam escolas públicas superlotadas, ruins e carentes de recursos nas grandes cidades. Seus pais trabalham de sol a sol, sem educação, dinheiro ou qualquer poupança. Quase ninguém tem casa própria e a maioria divide, entre quatro, cinco pessoas, cômodos em casas apertadas nas periferias.
O que vai acontecer com essas pessoas e com os EUA no futuro se os imigrantes e seus filhos não forem minimamente integrados? Não é muito difícil prever.
É imperativo que o país reconheça a existência dessas pessoas e abra possibilidades e fundos para que seus filhos possam ter um futuro melhor, com mais educação e melhores possibilidades de trabalho. Se não, problemas gigantescos virão por aí.

Folha - Quem está disposto a pagar por isso? Os EUA, em especial o atual governo, ao contrário, vêm estimulando cada vez mais políticas de corte de impostos.
Klineberg -
É verdade. Ninguém quer aumentar impostos nesse país para financiar esse tipo de coisa. As pessoas que pagam impostos e votam nos EUA são muito diferentes das que imigram para cá e têm filhos aqui. Os EUA são hoje muito diferentes do que eram há 40 anos, quando mais de 60% do eleitorado tinha filhos em escolas públicas e não se importava em pagar mais impostos pela educação em geral.
Mas, no século 21, a maior parte da força de trabalho dos EUA será de não-europeus e descendentes desses novos imigrantes. Como disse, isso pode tanto ser uma bomba-relógio como também um tremendo patrimônio.
No resto do mundo industrializado, onde a imigração não é tão bem-vinda como nos EUA, toda a população está ficando velha. Quem vai trabalhar por lá no futuro? Quem serão os trabalhadores especializados e educados? Esse é um problema enorme que, nos EUA, temos como enfrentar melhorando a qualidade da população jovem que já está no país. Esse é hoje o grande desafio que temos pela frente.


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