São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA /ANTES E DEPOIS

No gabinete, Obama monta balaio-de-gatos de centro

Escolhas de democrata alienam progressistas e arrancam elogios de conservadores

A mudança é ele, resume presidente eleito, para justificar presença de veteranos, clintonistas e republicanos no gabinete; aposta pode ricochetear

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Se Barack Obama confirmar amanhã os nomes ventilados para o seu gabinete, o presidente eleito fará um governo conservador em política externa, de centro em economia e progressista na área social. Para tanto, contará com democratas clintonistas, republicanos moderados e grandes egos.
Cada um dos cinco nomes principais parece negar uma promessa de campanha. Com Hillary Clinton no Departamento de Estado, ele pode aposentar o slogan "Obama sem drama", com que diferenciava sua bem regida equipe de campanha da rede de intrigas que era a da então rival nas prévias.
A continuação de Robert Gates na Defesa remete a tudo o que ele dizia que seria o governo de seu então adversário, John McCain, mais quatro anos de George W. Bush. A impressão é reforçada pelo convite ao general reformado Jim Jones para conselheiro de Segurança Nacional -cargo que o militar provavelmente teria se seu amigo McCain fosse eleito.
Se Eric Holder, o provável secretário da Justiça, traz a diversidade prometida por Obama ao ser o primeiro negro na pasta, carrega também uma bagagem clintoniana que deve complicar sua confirmação pelo Senado: ele defendeu o polêmico perdão dado por Bill Clinton ao milionário Mark Rich, condenado por evasão fiscal e por negociar com empresas iranianas na crise dos reféns (1979-81).
Por fim, o único nome anunciado oficialmente até agora, do futuro secretário do Tesouro Timothy Geithner, também não chega sem polêmicas. O atual presidente da unidade de Nova York do Federal Reserve (banco central dos EUA) trabalhou ativamente pelas recentes operações de salvamento de instituições financeiras -que, com a persistência da crise, viraram alvo de críticas.
Além disso, Geithner ficará sob a sombra de duas das personalidades mais fortes da área econômica progressista, Lawrence Summers e Paul Volcker. O primeiro será diretor do Conselho Econômico Nacional, cargo que, por estar diretamente ligado à Casa Branca, oferece maior acesso ao presidente do que o do Tesouro.
O segundo comandará o recém-criado Conselho Consultivo de Recuperação Econômica, cuja principal função será "dar ao presidente conselhos diretos e francos" sobre como lidar com a crise.
É uma combinação explosiva, que pode tanto dar no tão falado "time de rivais" de Abraham Lincoln (1861-65) quanto no ninho de cobras que cercava Richard Nixon (1969-74). Obama e equipe vêm tentando desfazer os temores. Em entrevista na semana passada, o eleito usou outras palavras para dizer que a estrela do show era ele e que ele representa a mudança.
"Eu sei que há uma certa impressão em Washington de que nós estamos reciclando as pessoas do governo Clinton", admitiu Obama na quarta, para logo se defender: "A última gestão democrata que tivemos foi a dele". Disse ainda que a crise atual não lhe permite nomear pessoas sem experiência na área econômica, por exemplo.
"Mas o que nós vamos fazer é combinar experiência com pensamento novo", definiu, para então resumir: "Entenda de onde virá a visão de mudança, em primeiro lugar e de maneira mais importante: de mim".
Nem todos estão convencidos. A ala mais progressista do pensamento político ainda dá o benefício da dúvida ao presidente eleito, mas fissuras já são detectadas. "Um ano atrás, quando Obama disse que era hora de virar a página, sua declaração de campanha parecia a promessa de um novo começo para Washington", disse William Greider, da revista "Nation". "Eu não sabia que seria uma página virada para trás."
Por outro lado, de forma talvez reveladora, conservadores aplaudem cada vez mais o futuro gabinete. Anteontem, Karl Rove, polêmico ex-conselheiro de Bush, disse que o democrata montou "um time econômico de primeira". No mesmo dia, o "Wall Street Journal" escreveu que "Gates e Jones são sinais bem-vindos de continuidade".


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