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Análise
Bom para os EUA, não para a Justiça
SÉRGIO DÁVILA
EM SÃO PAULO
Quando estive em Bagdá,
ainda sob o governo de Saddam Hussein e quando as
bombas da invasão anglo-americana começaram a
cair, conheci um iraquiano
que havia sido torturado a
mando do então ditador. Por
um motivo qualquer, Karim
Kadum foi levado pela polícia política a uma das centenas de prisões espalhadas
pelo país. Como ele, milhares
foram presos, torturados,
mantidos vivos em caixões.
O que você espera dessa
guerra? Foi uma das perguntas que fiz. "Justiça", ele me
respondeu.
A execução de Saddam
Hussein na madrugada de
hoje serviu aos interesses do
governo norte-americano,
ao desejo da Casa Branca de
sair do Iraque de maneira
menos vergonhosa e aos planos de vingança de George
W. Bush, anteriores ao 11 de
Setembro. Ganharam os falcões que continuam pendurados no poder dos EUA e os
líderes da maioria xiita iraquiana, da qual o primeiro-ministro Nuri Al Maliki é a
face institucional.
Perdeu Karim Kadum,
porque perderam o direito
internacional, a memória
das vítimas do ex-ditador,
enfim, a Justiça. O julgamento a que o ex-dirigente foi
submetido foi uma pantomima ensaiada há dois anos em
Londres, onde juízes e magistrados iraquianos foram
treinados por seus equivalentes norte-americanos.
Saddam sai da vida e entra
para o lado infame da história sem responder a todos os
crimes que cometeu, tão ou
mais graves que a morte de
148 xiitas em 1982. Deixa vazio o banco dos réus de um
segundo julgamento, ainda
em curso, e os que viriam.
Com ele morrem os detalhes
de prisões arbitrárias, torturas e assassinatos, e fica no ar
a eterna dúvida de testemunhos da acusação feitos sem
a presença do acusado.
O ex-líder baathista cometeu crimes contra a humanidade; os EUA e o governo
fantoche de Bagdá negaram
o direito à humanidade, via
tribunais internacionais, de
ver esses crimes esclarecidos
e punidos. Saddam Hussein
merecia passar o resto de
seus dias numa prisão comandada por uma força multinacional, tentando subornar a guarda por mais tinta
para os cabelos. Executado,
passa de assassino a mártir,
pelo menos para parte importante do Iraque, os sunitas; mártir também para
muitos do mundo árabe, que
enxergam outro motivo para
a radicalização.
A democracia é o menos
pior dos regimes; a atual democracia norte-americana,
não. É essa que George W.
Bush e seus amigos tentam
implantar a pontapés no
Oriente Médio. Um de seus
pilares menos comentados é
a pena de morte, como o
mundo se lembrou hoje.
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