São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

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Voto pode ser resposta política a radicalismo, diz analista libanês

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

É cedo para tirar conclusões otimistas sobre as eleições de ontem no Iraque. Mas o próprio fato de elas terem ocorrido poderia representar o fortalecimento do entendimento político sobre o radicalismo religioso, sobretudo aquele apregoado pelo representante da Al Qaeda no país, Abu Musab Al Zarqawi, para quem a democracia "é antiislâmica".
É o que diz o cientista político libanês Fawaz Gerges, professor do Sarah Lawrence College, universidade no Estado de Nova York. Ele é autor de "Islã Americano e Político" e está para publicar "Jihadists: Unholy Warriors" (jihadistas, guerreiros não-sagrados).
Eis os principais trechos de sua entrevista.

Folha - Aparentemente o comparecimento às urnas foi maior, e o número de vítimas de atentados, menor que o esperado.
Fawaz Gerges -
Precisamos esperar mais um pouco para tirar conclusões definitivas. Não creio que se deva acreditar, por enquanto, na taxa de comparecimento anunciada pelo governo provisório. As eleições ocorreram, é verdade. Mas em muitas das cidades sunitas os locais de votação não chegaram sequer a abrir, e ninguém votou. Os que votaram demonstraram confirmar no surgimento de uma instância política.

Folha - Mesmo assim o apelo ao boicote por motivos religiosos, lançado por Abu Musab al Zarqawi, não foi ouvido.
Gerges -
Creio que Zarqawi e o que ele representa, a Al Qaeda e a jihad (guerra santa), não tiveram um poder de mobilização tão grande quanto alguns previam. Em termos de islamismo, foi bem mais importante a tomada de posição do aiatolá Ali Sistani, para quem votar era "um dever religioso". De qualquer modo, Zarqawi e seu grupo são apenas uma parte da insurgência. Outros agrupamentos laicos também pregaram o boicote. É cedo para saber se, para eles, a abstenção foi em parte uma demonstração de força.

Folha - O sr. acredita que o Baath saiu fortalecido?
Gerges -
Estou entre os que não acreditam que os adeptos do regime deposto sejam politicamente fortes. Eles formam uma minoria, a meu ver de pouco peso.

Folha - Com a abstenção, qualquer que tenha sido ela, a oposição tenderia a cantar vitória?
Gerges -
É uma oposição muito dividida. Ela se unificou de modo circunstancial em torno da tese de que as eleições favoreceriam a lógica das forças estrangeiras de ocupação. Mas, para muitos iraquianos -e não sei o quanto eles representam em termos de porcentagem-, as eleições foram bem mais que isso. Foram, por exemplo, a oportunidade de criação de um poder local para negociar a retirada dos estrangeiros.

Folha - A inexpressiva presença de candidatos sunitas não compromete a legitimidade da eleição como um todo?
Gerges -
É um problema bastante sério. Mas é preciso esperar. A Assembléia poderá ter uma margem de manobra que, se for bem conduzida, catalisaria a adesão ao processo político daqueles que não participaram da votação. Mas ainda é cedo para tirarmos conclusões semelhantes.


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