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Blog iraquiano pró-EUA racha e expõe rede de intrigas
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
A história mistura as tramas dos
livros de espionagem de John le
Carré com as traições familiares
das peças de Shakespeare. Cenário: blogosfera, mais precisamente dois blogs (diários virtuais) baseados em Bagdá e escritos pelos
Fadhil, uma família de bagdalis.
Personagens: Mohammed e
Omar, de um lado, seu irmão Ali
do outro, e o presidente Bush, entre outros. Sobe o pano.
Nas primeiras semanas de dezembro, Washington, Nova York
e Los Angeles receberam a visita
de dois dentistas bagdalis, Mohammed, 35, e Omar, 24, que,
juntos de seu irmão do meio, o
pediatra Ali Fadhil, 34, tocavam o
blog IraqTheModel.
Desde a queda de Saddam Hussein, em abril de 2003, a internet
foi inundada por esses diários virtuais escritos por iraquianos, finalmente livres para acessar a rede e escreverem. O pioneiro foi
Salam Pax, um arquiteto homossexual, mas na sua esteira vieram
milhares de blogs.
Depois de definida a data das
eleições e empossado o governo
provisório, nenhum deles teve
tanta publicidade por aqui quanto o dos três irmãos. Contra a corrente dos sites antiguerra e com
argumentos consistentes e um inglês escorreito, os três defendiam
a presença dos invasores no país e
a realização do pleito. Bancados
pela ONG Spirit of America, Mohammed e Omar finalmente realizaram seu sonho: conhecer os
EUA. Na turnê de dezembro, ciceroneados pelo vice-secretário da
Defesa, Paul Wolfowitz, deram
palestra em Harvard.
Em Nova York, visitaram a redação do diário "The Wall Street
Journal", que publicaria elogioso
artigo escrito por Daniel Henninger, em que o subeditor de opinião do jornal citava Mohammed
em frases como "Bagdá está florescendo", "vejo um prédio novo
a cada dia" e "a classe média iraquiana vem aumentando". Em
Los Angeles, foram o centro de
uma festa do neoconservadorismo local. E tiveram de desviar o
périplo para a capital americana,
onde foram recebidos no Salão
Oval por George W. Bush, que assegurou que os EUA não deixariam seu país enquanto "o trabalho não estivesse completo".
Tudo parecia correr bem. Até
que Ali, que ficara tomando conta
do blog, escreveu uma carta aberta. "É a última vez que escrevo
neste site. (...) Não é uma decisão
fácil, mas tenho de tomá-la. (...)
Eu ainda amo a América e me sinto agradecido a todos os que nos
ajudaram a ter liberdade e a construir a democracia aqui. Mas é a
ação de alguns americanos que
me faz sentir que estou do lado errado. Vou expor estas pessoas em
público logo mais, (...) mas não
conseguirei fazer isso a não ser em
meu próprio blog."
A partir de então, Ali criou o
Iraqi Liberal, que depois rebatizou de Free Iraqi. Nele, desde o
começo do ano vem fazendo críticas constantes à ocupação americana e à condução das eleições. O
que aconteceu entre a viagem e
sua dissidência? "Acho que meus
irmãos se expuseram a um risco
desnecessário ao se encontrar
com Bush", disse ele à Folha.
Os irmãos põem panos quentes.
"Nós ainda colaboramos um com
o outro, e você pode reparar que
nosso blog traz um link para o dele e vice-versa", disse Mohammed
-na verdade, a recíproca não é
verdadeira; o blog de Ali não
anuncia o dos irmãos. Tamanha
polidez não foi suficiente para evitar que uma verdadeira rede de
intrigas tomasse a blogosfera.
Nas acusações mais graves, os
Fadhil foram chamados de agentes da CIA disfarçados de bagdalis
a legítimos iraquianos que estariam levando dinheiro da Casa
Branca para fazer propaganda.
Os irmãos -os três- se defendem das acusações. Dizem que
acreditam no que escrevem e que
o fato de um deles ter decidido
sair e criar seu próprio blog mais
"à esquerda" é outro exemplo da
liberdade por que passa o Iraque.
Ali conclui: "Apesar de toda essa confusão, prefiro viver o resto
de minha vida numa situação como essa em que o Iraque está agora, com todas as dificuldades, do
que voltar no tempo e viver apenas um dia sob Saddam Hussein".
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