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HAITI EM RUÍNAS
Mobilização anti-Brasil ecoa no pós-tremor
Minoritários, radicais aliados ao presidente deposto Jean-Bertrand Aristide se opõem às tropas estrangeiras no Haiti
Em bairros pobres, parte da população desdenha ação das forças de paz da ONU, crítica que ganha volume
no caos pós-terremoto
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Acuada e radicalizada, uma
franja da sociedade haitiana
aproveita o caos pós-terremoto
para aumentar o volume de
uma demanda que completa
seis anos: brasileiros, voltem
para casa!
São na maioria simpatizantes do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, deposto em
2004 por uma ação norte-americana (para a qual a ONU fez
vistas grossas) e hoje exilado na
África do Sul.
Vivem em bairros miseráveis
de Porto Príncipe, como Cité
Soleil e Bel Air, onde Aristide
aparece em grafites nos muros
ao lado de Bob Marley e Martin
Luther King.
"Aristide construiu tudo por
aqui, e os brasileiros destruíram", disse um homem que se
identificou apenas como Jean,
tomando cerveja e fumando
maconha às 10h numa rua em
ruínas em Bel Air.
A seu lado, outro que se apresentou como "Matador" disse
que os brasileiros não têm o
que fazer no país. "Eles nunca
construíram nem um banheiro
aqui", queixou-se.
Muitas pessoas na região nutrem ressentimento pelas operações de "pacificação" conduzidas pelos militares do Brasil
entre 2004 e 2007, que desarmaram gangues pró-Aristide
após duros combates.
"Eles [os soldados brasileiros] não são nossos amigos.
Eles matam nosso povo", diz
Vanel Louis Paul, dirigente do
Massa Popular, uma agremiação de base pró-Aristide que
tem sede na gigantesca favela
de Cité Soleil, a maior de Porto
Príncipe.
Emile Wilnes, integrante do
mesmo grupo e membro do
conselho da Fundação Aristide,
ONG assistencialista mantida
por aliados do ex-presidente,
diz que hoje o Brasil é um dos
responsáveis por dificultar o
retorno de seu líder do exílio.
"Nós achávamos que [Luiz
Inácio Lula da Silva] fosse um
democrata. Mas hoje, vendo o
que aconteceu aqui, não achamos mais", declara ele.
Ao longo de dez dias em Porto Príncipe, a Folha percebeu
bem mais demonstrações de
apreço aos brasileiros entre a
população do que o contrário.
O Brasil lidera militarmente a
Minustah, a força de paz da
ONU, que em geral é bem aceita pelos haitianos.
Mas a franja radicalizada
existe e é atuante, não apenas
nas favelas, mas também no
movimento estudantil. O pior
cenário para o Brasil seria o de
uma aliança entre as massas
empobrecidas das favelas e essa elite politizada.
"Não deixamos de acompanhar atentamente e com preocupação a atuação dos partidários de Aristide, mesmo com a
situação de fraqueza deles", diz
o coronel Alan Santos, chefe da
comunicação social do batalhão brasileiro da Minustah.
Marcha anual
Todos os anos, em 28 de fevereiro (aniversário da queda de
Aristide), pelo menos 5.000
pessoas marcham pelas ruas de
Porto Príncipe para lembrar o
que qualificam como um golpe
de Estado. Pichações pedindo a
saída da Minustah são poucas,
mas visíveis em alguns muros
do centro da capital.
Nunca houve violência nessas manifestações, pelo próprio
fato de que as gangues ligadas
ao ex-presidente foram desarmadas, e seus líderes, presos.
Mas cerca de 5.500 ex-integrantes desses grupos paramilitares escaparam da prisão no
terremoto e estão à solta.
Aristide quer voltar ao Haiti e
promete nunca mais concorrer
à Presidência. Não há no Haiti
pesquisas sobre a popularidade
de seu partido, o Família Lavalas, mas é certo que continua
forte nos principais bolsões de
pobreza do país.
"Estamos no país todo. O
nosso é o partido da maioria",
disse à Folha a presidente do
partido e principal representante de Aristide no Haiti,
Maryse Narcisse.
Ex-ministra no governo do
presidente deposto, Narcisse é
mais diplomática ao falar dos
brasileiros. Pede claramente,
no entanto, um cronograma
para a saída das tropas estrangeiras, algo que a ONU já disse
que só acontecerá daqui a
"muitos anos".
"Não podemos achar que a
Minustah vai ficar aqui para
sempre. Está na hora de sabermos quando seu trabalho vai
terminar", diz ela. "Precisamos
de solidariedade internacional,
mas tem que haver dignidade
para nós."
Divisão
A resposta dada pela Minustah, Brasil à frente, ao terremoto serviu para aumentar o golfo
entre os que defendem e os que
se opõem à presença estrangeira no Haiti.
Aplausos e polegares levantados em sinal de positivo costumam saudar brasileiros em
operações de distribuição de
alimentos. Mas quem é contra
não se convence.
"A Minustah não tem sido capaz de responder de maneira
adequada ao terremoto. Minha
impressão é que as tropas não
sabem bem o que fazer", diz
Narcisse.
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