São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Obama tenta conter avanço de direita radical

Movimento que ataca "governo grande" toma a bandeira da defesa do homem comum e põe em xeque discurso suprapartidário

Crítica de presidente dos EUA à Suprema Corte em discurso do Estado da União e reação de juiz conservador acirram polarização política no país


DA SUCURSAL DO RIO

Ao fazer o balanço do primeiro ano do governo de Barack Obama, o presidente emérito do Council on Foreign Relations, Leslie Gelb, aconselhou o presidente a esquecer o suprapartidarismo e falar grosso com republicanos e democratas dissidentes, que lhe negaram votos ao pacote de estímulo econômico e à reforma do sistema de saúde.
"Seus opositores têm que começar a temê-lo, e seus amigos têm que aceitar a disciplina", escreveu. Se Obama não agir, "direitistas bizarros vão controlar o Congresso em 2011, e ele estará procurando outro emprego em 2013".
Na política americana, Gelb é um centrista, mas seu apelo fez eco à ala esquerda do Partido Democrata, insatisfeita com o que vê como paralisia de Obama diante de uma oposição que, sem líderes tradicionais, apela a personagens não convencionais para mover uma até agora bem-sucedida batalha ideológica contra ele.
"O Partido Democrata não pode mais disputar como partido de tecnocratas. Ser populista é agora a política inteligente", disse Katrina van den Heuvel, editora da revista de esquerda "The Nation", após os republicanos conquistarem, há 12 dias, a cadeira no Senado que foi de Edward Kennedy, ícone progressista de Massachusetts, antigo bastião democrata.
Entendido como a defesa do homem comum diante do establishment, o populismo tem longa tradição nos dois grandes partidos dos EUA. Na atual crise, a bandeira foi hasteada por direitistas como a ex-governadora do Alasca Sarah Palin, candidata a vice na chapa derrotada do republicano John McCain, e o radialista Glenn Beck, que tem um programa na Fox News.
Na discurso deles, o "governo grande" do "socialista" Obama tirou do povo para dar aos bancos e burocratas e criará "painéis da morte" para decidir quais pacientes ficarão sem tratamento, a fim de cortar custos do sistema de saúde na reforma proposta pela Casa Branca.
O mote tem balançado eleitores sem filiação partidária, como os independentes de Massachusetts que abandonaram o barco democrata.
Beck e Palin são chamarizes nesta semana da Convenção do "Teaparty", movimento opositor que emula protesto antitaxação em Boston contra os britânicos, marca da luta pela independência no século 18.
O site do evento, de quinta a sábado, diz que os ingressos estão esgotados, exceto para o banquete. Um dos debates será sobre a relação do governo Obama "com ditadores marxistas da América Latina".
Desde a derrota em Massachusetts, Obama parece hesitar entre manter o estilo professoral ou partir para arroubos de impacto político maior, mesmo que incerto.
Ele lançou guerra pela regulação do sistema financeiro, de onde vieram seus principais assessores econômicos, mas anunciou congelamento de gastos para conter o deficit fiscal, como pedia a oposição. No discurso sobre o Estado da União, há quatro dias, acenou aos republicanos citando cortes de impostos que promovera, mas fez uma crítica -rara para a ocasião solene- à Suprema Corte.
Mas o maior indício de que não haverá trégua na polarização veio na reação do juiz ultraconservador Samuel Alito, indicado por George W. Bush e que teve o voto contrário do então senador Obama em 2006.
Num gesto desrespeitoso comparado ao do deputado que do plenário do Congresso gritou "você mente" para o presidente, há quatro meses, Alito balançou a cabeça e balbuciou "não é verdade" quando Obama atacou a decisão da corte que liberou doações de empresas a campanhas eleitorais.
O caso ainda repercutia anteontem, dia em que o presidente teve raro momento de vitória midiática, aproveitando-se de um descuido opositor para fazer com que fosse televisionado um debate entre ele e congressistas republicanos em Baltimore, em Maryland.
O site democrata Huffington Post vibrou com a atuação de Obama, que reclamou de sua caricatura como mentor de um "complô bolchevique".
A partir de terça, os republicanos escolhem nova arma num confronto que tende a crescer até a eleição de novembro, que renovará a Câmara e um terço do Senado. Eles indicarão em convenção o candidato que disputará a cadeira por Illinois que Obama ocupava no Senado antes da Presidência. (CLAUDIA ANTUNES)


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