São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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Europa barra ilegais e busca imigrante qualificado

DA REDAÇÃO

Como na maior parte do planeta, os atentados terroristas de 11 de setembro tiveram apenas um efeito indireto no tratamento reservado a imigrantes -legais ou clandestinos- e a refugiados na Europa. O principal motivo da recente controvérsia sobre o tema é o afluxo de refugiados, sobretudo curdos e europeus orientais.
"Em toda a Europa ocidental, a questão da imigração e a dos refugiados já vinham sendo tratadas há algum tempo devido à chegada de um grande número de imigrantes ilegais ao continente. Os atentados terroristas serviram para acelerar o processo e as discussões. Foram, portanto, uma espécie de revelador", explicou à Folha Jacques Barou, especialista em imigração do Instituto de Estudos Políticos de Grenoble, na França.
Uma tendência é bastante clara na Europa: a entrada de estrangeiros só não é um processo altamente complexo para trabalhadores bem qualificados, cujas aptidões profissionais podem atender às necessidades locais.
"Boa parte dos países europeus vive um período de prosperidade e de crescimento da atividade econômica. Assim, há setores da economia que carecem de mão-de-obra especializada. Consequentemente, há, de modo mais ou menos discreto, uma retomada da imigração econômica. Na França, por exemplo, há diretivas do governo que buscam facilitar a entrada de trabalhadores qualificados no país", apontou Barou.
O caso alemão é ilustrativo dessa nova tendência. Em 22 de março, apesar da oposição dos partidos de centro-direita (que têm forte apelo populista), o Bundesrat -Câmara Alta do Parlamento- aprovou uma histórica reforma das leis de imigração, objetivando abrir o país para a entrada de trabalhadores de alto nível.
O ministro do Interior, Otto Schily (centro-esquerda), chegou a dizer aos parlamentares que a Alemanha precisava da reforma para ter condições de competir com outros países, como os EUA, no que se refere a atrair mão-de-obra qualificada.
O Reino Unido é outro caso revelador, mas suas leis de imigração deverão ser alteradas em breve. "Por enquanto, o Reino Unido tem leis de imigração bastante liberais. Há uma forte imigração seletiva -de pessoas provenientes de países da Comunidade Britânica ou de empreendedores que querem abrir negócios em seu território, além dos trabalhadores qualificados", afirmou Barou.
Talvez por ser o maior aliado dos EUA no combate ao terrorismo, o Reino Unido pretende mudar de atitude em breve. "Há, contudo, leis bem restritivas sendo preparadas. Elas tentarão incentivar os imigrantes a buscar uma maior integração, a falar inglês e a aceitar os valores da sociedade britânica", declarou o acadêmico.
A questão do asilo político também está sendo revista no Reino Unido.

Itália e Espanha
Ao lado da Grécia, a Itália e a Espanha são as maiores portas de entrada de imigrantes ilegais na Europa. "Os clandestinos passam pela ex-Iugoslávia. Há várias organizações mafiosas na Bósnia e em Kosovo que lucram com o transporte de imigrantes em direção aos países mais abastados da Europa", disse Barou.
O governo da Itália (centro-direita), ante a comoção provocada pela chegada de quase mil refugiados curdos à Sicília, em 18 de março passado, acelerou o processo de avaliação no Parlamento de um projeto de lei de imigração, cujo intuito é dificultar a permanência de estrangeiros clandestinos no país e desestimular a entrada de novos postulantes a asilo político em seu território.
O projeto foi redigido pelo líder da xenófoba Liga Norte, o ministro das Reformas Institucionais, Umberto Bossi, e pelo vice-premiê italiano, Gianfranco Fini, da pós-fascista Aliança Nacional.
"O projeto é muito repressivo, mas isso não surpreende, já que seus autores são xenófobos mais ou menos declarados. Eles pertencem a uma corrente mais radical da direita que vem ganhando alento em países europeus, como a Suíça e a Áustria. Esse grupo é totalmente hostil à imigração -legal ou não", explicou Barou.
Na Espanha, uma nova lei de imigração (pouco menos repressiva que o projeto italiano) entrou em vigor no início de 2001. "A lei espanhola também busca restringir a imigração clandestina, todavia é difícil de ser aplicada. Afinal, há setores da economia espanhola, como a agricultura e a construção civil, que necessitam do trabalho de estrangeiros para funcionar", indicou o analista francês.
A União Européia promete acelerar a uniformização das leis de imigração de seus 15 países-membros, conforme previsto no Tratado de Amsterdã (1997). "Na prática, essa uniformização será difícil, pois os Estados europeus são diferentes e têm necessidades econômicas distintas", disse Barou.
"Ademais, cada um possui sua lógica política doméstica. Assim, a situação dos refugiados tende a piorar. Os centros de acolhimento se encontram saturados, e o número de pessoas que pedem asilo só faz crescer", completou. (MSM)


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