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ARTIGO
Suicida abre a porta à guerra santa
ROBERT FISK
DO ""THE INDEPENDENT", EM BAGDÁ
Pelo que se sabe, o sargento Ali
Jaffar Moussa Hamadi Al Nomani
foi o primeiro combatente iraquiano na história a lançar um
ataque suicida. Nem mesmo durante o levante contra o domínio
britânico algum iraquiano se matou para destruir seus inimigos.
Além de iraquiano, Al Nomani
era muçulmano xiita -ou seja,
integrante justamente do grupo
religioso que os americanos acreditavam piamente ser seu aliado
secreto na invasão do Iraque.
Até mesmo o governo iraquiano, num primeiro momento, ficou sem saber como reagir a esse
fenômeno, dividido que está entre
seu desejo de distanciar-se de um
acontecimento capaz de lembrar
o terrorista saudita Osama bin Laden e, por outro lado, a vontade
de ameaçar as forças americanas
com mais ataques do mesmo tipo.
Os detalhes conhecidos sobre a
vida do sargento do Exército Al
Nomani, de 50 anos, são poucos,
mas interessantes. Ele foi soldado
na guerra entre o Irã e o Iraque
(1980-88) e combateu como voluntário na Guerra do Golfo, de
1991, apelidada de ""mãe de todas
as batalhas" pelo líder iraquiano,
que se considera o vencedor da
guerra. Depois, apesar de já ter
passado da idade apropriada para
combatentes, ele se ofereceu mais
uma vez como voluntário para
defender seu país contra a invasão
anglo-americana.
E foi assim, sem revelar seus
planos a seu oficial comandante e
usando seu carro próprio, que Al
Nomani jogou seu veículo contra
um posto dos fuzileiros navais
americanos na periferia de Najaf.
Saddam Hussein imediatamente concedeu a Al Nomani uma
medalha militar de primeira classe e a uma condecoração chamada de ""Mãe de Todas as Batalhas".
O homem-bomba deixou viúva,
cinco filhos e um lugar na história
da resistência iraquiana contra a
invasão de seu país. Como já se
podia prever, um porta-voz dos
EUA disse que o ataque ""tem jeito
e aparência de terrorismo", se
bem que, como Al Nomani estava
atacando um Exército de ocupação e seu alvo era militar, nenhum
árabe acreditaria nisso.
Horas depois de sua morte, o vice-presidente Taha Yassin Ramadan já estava falando como um líder palestino ou do Hizbollah (libanês), enfatizando a desigualdade entre o Iraque e os EUA em termos de armamentos. ""A administração americana vai transformar
o mundo inteiro num povo que se
dispõe a morrer por seu país."
""A única coisa que lhes resta a
fazer, agora, é transformar-se em
bombas. Se as bombas trazidas
pelos aviões B-52 podem matar
500 pessoas ou mais em nossa
guerra, então estou certo de que
algumas operações conduzidas
por nossos combatentes da liberdade poderão matar 5.000."
Ficou claro o que isso queria dizer: que a liderança iraquiana ficou tão espantada com o ataque
suicida de Al Nomani quanto suas
vítimas americanas.
Mas os americanos fariam bem
em tomar consciência do que significa esta novidade. Os atentados
suicidas constituem a última arma dos árabes. Os Estados Unidos compreenderam o poder dessa arma pela primeira vez em
1983, quando homens-bomba
atacaram a embaixada americana
em Beirute e depois o quartel dos
fuzileiros navais em Beirute, matando 241 militares americanos.
Foi apenas quando árabes envolvidos numa missão suicida muito
mais devastadora lançaram os
ataques de 11 de setembro de 2001
que Washington finalmente se
deu conta de que não existe defesa
eficaz contra essa tática.
Assim, de maneira estranha, o
11 de setembro finalmente encontrou uma conexão simbólica com
o Iraque. Embora as tentativas
dos EUA de vincular o regime de
Saddam a Bin Laden tenham se
revelado sem fundamento, a ira
que os EUA desencadearam é real
e agora foi expressa por meio da
arma que os americanos mais temem. A maioria dos homens-bomba é formada por homens
solteiros e mais jovens do que Al
Nomani. Mas alguém deve tê-lo
ajudado a preparar os explosivos
em seu carro.
O vice-presidente Ramadan falou algo sobre ""o momento sublime do mártir", uma expressão até
então inusitada no léxico do Partido Baath. O general Hazim al
Rawi, do Ministério da Defesa, recordou que o morto tinha o mesmo nome ""que o imã Ali" e anunciou que o novo ""mártir Ali abriu
a porta à Jihad". Parece que o islã
repentinamente se intrometeu
nesta guerra de libertação (é assim que ela é chamada por aqui)
altamente nacionalista contra os
americanos.
Para os americanos, porém, não
há nada que lhes traga conforto
equivalente. De agora em diante,
cada civil, cada veículo, cada táxi,
cada motorista de caminhão, cada iraquiano "recém-liberto" passa a ser um assassino potencial.
Os americanos mostraram que
são peritos em acusar o Iraque de
desobedecer às regras da guerra
durante a invasão de seu país por
eles, os americanos. E o fato de
condenarem os militares iraquianos que atuam à paisana causa
mal-estar quando se vêem as imagens de militares das forças especiais americanas no Afeganistão,
que faziam questão de usar roupas civis e, às vezes, andavam por
aí seminus. No fim de semana, foi
o vice-presidente iraquiano quem
enfatizou que ""serão usados
quaisquer meios que façam o inimigo parar ou morrer".
Tradução de Clara Allain
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