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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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MÍDIA

Nic Robertson diz que se sentiu mais intimidado com a pressão iraquiana do que com a guerra

Repórter da CNN expulso relata medo

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Que tal pegar um carro e viajar por cerca de 12 horas pelas estradas do Iraque? Agora imagine fazer essa mesma viagem sendo um cidadão inglês, com cabelos bem loiros, carregando o crachá de uma TV dos Estados Unidos.
Nic Robertson, correspondente da CNN, encarou essa assustadora jornada na semana passada. Foi expulso do país pelo governo de Saddam Hussein, que considerou a cobertura da rede favorável às forças anglo-americanas.
Ele e os três colegas que formavam sua equipe deixaram Bagdá às pressas, com a determinação de oficiais iraquianos de não mostrarem na televisão nada do que encontrassem pelo caminho.
Veterano em conflitos internacionais (esteve na Guerra do Golfo, na Bósnia, em Kosovo e no Afeganistão, entre outros), ele disse que seu maior medo foi a ameaça de expulsão de Bagdá antes do início dos bombardeios.
Leia abaixo a entrevista que ele concedeu à Folha, por e-mail, em que falou de seu trabalho e do fato de as emissoras norte-americanas estarem sendo acusadas de conservadorismo e parcialidade.

Folha - Após a expulsão, como foi a viagem rumo à Jordânia? O que viram e por que não mostraram nada ao vivo no caminho?
Nic Robertson -
Nós não tínhamos como mostrar nada ao vivo, porque oficiais iraquianos controlavam o uso de telefone por satélite. Também não possuíamos os equipamentos modernos que os repórteres que acompanham as tropas usam. Fiquei aflito no início da retirada de Bagdá.
Pela rodovia principal, encontramos pouca evidência de ação militar, até que vimos um caminhão destruído. À medida que nos aproximávamos da fronteira com a Jordânia, fomos nos deparando com pistas de vôo, agora controladas pelas forças de coalizão, nas quais avistamos veículos militares iraquianos incendiados.

Folha - O Pentágono havia orientado os jornalistas a deixar a capital iraquiana antes das primeiras explosões. A decisão de permanecer foi sua ou solicitação da CNN?
Robertson -
Nós decidimos ficar, porque achávamos que estaríamos seguros. E porque acho muito importante contar essa história. Contar a história das pessoas do Iraque.

Folha - Como era a sua rotina quando estava em Bagdá?
Nic Robertson -
Nós estávamos tentando encontrar histórias humanas interessantes. Com as informações que recebíamos do Ministério da Informação, cobríamos a vida das pessoas em Bagdá. Às 16h (no horário local), começávamos a entrar no ar ao vivo e só parávamos de trabalhar por volta da meia-noite. Também tínhamos de cobrir fatos ligados ao governo iraquiano.

Folha - Tiveram problemas para arrumar iraquianos que trabalhassem com vocês, como motoristas e intérpretes, por exemplo?
Robertson -
A CNN mantinha um escritório em Bagdá havia mais de 12 anos. Logo, não tivemos dificuldades em trabalhar com as pessoas do local.

Folha - Até agora, qual foi o momento em que sentiu mais medo?
Robertson -
Fiquei assustado quando pensei que os oficiais do Iraque iriam nos expulsar antes de a guerra começar. Havia muita pressão governamental. Fiquei com menos medo quando as explosões começaram.

Folha - Na época da guerra no Afeganistão, Alfredo de Lara, cinegrafista de sua equipe, nos contou que deixara a barba crescer para ficar mais parecido com a população local e chamar menos a atenção. Você é loiro, tem nome e cara de anglo-americano. Enfrentou problemas com os iraquianos por isso?
Robertson -
Não tive problemas. O povo iraquiano é muito simpático com os estrangeiros, são pessoas ótimas. Devem estar bem diferentes agora, em razão da desordem civil. Quanto mais a guerra foi se aproximando, os iraquianos foram ficando menos amistosos com americanos e ingleses.
Mas eles reconheciam que nós, jornalistas, não éramos os responsáveis pela guerra.

Folha - No conflito do Afeganistão, você e De Lara eram os únicos jornalistas estrangeiros na capital, Cabul. Aquela cobertura, em função disso, foi mais importante do que a atual para a sua carreira?
Robertson -
Eu não penso em termos do que é bom para a minha carreira. Faço a melhor cobertura que posso fazer.

Folha - Como avalia as críticas de que as TVs norte-americanas estão fazendo uma cobertura parcial e conservadora, pautada apenas pelas informações oficiais do governo dos Estados Unidos?
Robertson -
Estou muito orgulhoso do meu trabalho em Bagdá.

Como se sente estando tantos dias longe de sua família?
Robertson -
Falo com minha família todos os dias. Estaria melhor se estivesse em casa. Mas eles estão felizes porque tenho uma profissão que me faz feliz.

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