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Jornalistas "encaixados" evidenciam limites da cobertura
DA REPORTAGEM LOCAL
A decisão anglo-americana de
"encaixar" meio milhar de jornalistas junto às forças atacantes está
dando munição para duas diferentes análises do papel do correspondente em um conflito.
Os relatos desses "encaixados"
servem tanto para os que acham
que a "verdade" está cedendo ao
patriotismo e à propaganda, como aos que afirmam que muito
pior do que ter um jornalista junto às tropas seria não ter nenhum.
Para esses últimos, é preciso entender que os "encaixados" só noticiam parte do que acontece e
que uma visão mais completa da
guerra só é possível juntando todas as peças do quebra-cabeças.
Toda vez que começa uma guerra, colunistas de jornais em todo o
mundo correm atrás de um surrado chavão -de que "a primeira
vítima é a verdade". A frase foi dita por um senador americano em
1917 e serve de título ao mais conhecido livro sobre cobertura de
guerras, "A Primeira Vítima", do
jornalista australiano Phillip
Knightley, cuja primeira edição é
de 1975 e trata principalmente do
jornalismo anglo-americano.
Knightley nunca cobriu pessoalmente uma guerra e faz questão de ressaltar isso. Para ele, os
correspondentes praticamente
nunca conseguiram reportar uma
guerra com veracidade. Entre outras coisas, seriam facilmente manipuláveis pelos militares.
A mesma crítica tem sido dirigida ao programa americano de
"embedding", "encaixar" jornalistas com as tropas. Logo surgiu o
trocadilho "in bed with the Pentagon" (na cama com o Pentágono).
Os EUA apostam na empatia entre o correspondente e a tropa.
O maior acesso ao campo de batalha pelos correspondentes não é
propriamente uma novidade,
pois correspondentes "encaixados" junto às tropas já existiram
antes. Já a possibilidade de enviar
imagens ao vivo de combates é algo bem mais revolucionário.
Uma opinião diferente sobre o
papel do correspondente é dada
por um jornalista que participou
de um programa de "encaixe" anterior, Max Hastings, que cobriu a
guerra pelas Falklands/Malvinas
em 1982 junto das tropas britânicas. Hastings também cobriu
conflitos em Biafra, no Vietnã, no
Oriente Médio e no Chipre.
Em 1982, apenas representantes
da mídia britânica acompanharam as tropas. Os EUA agora abriram vagas para 500 jornalistas,
cem dos quais estrangeiros.
Para Hastings, o correspondente tenta "montar um quebra-cabeças no qual a maior parte das
peças está faltando. A escolha para o correspondente não é entre
reportar verdade e falsidade, mas
entre reportar um fragmento da
realidade ou não fazer nada".
Nesse ponto, o programa de
"embedding" tem permitido que
várias peças do quebra-cabeças
sejam encontradas, servindo até
para matizar declarações oficiais.
Por exemplo, o principal analista militar do "The New York Times", Michael R. Gordon, no
Kuait, escreveu que o avanço a
Bagdá estava sendo desacelerado,
apesar de oficialmente se dizer
que não há uma "pausa". Ao relatar combates em locais como Nassiriah e Basra, os correspondentes
também mostram que essas áreas
ainda não estão "seguras".
Se o quebra-cabeças continua
incompleto, pode-se argumentar
que o mesmo acontece com as notícias em tempo de paz, segundo
Hastings. "Notícia" não é sinônimo de "verdade". E mesmo em
tempo de paz governos e políticos
mentem para jornalistas, lembra.
Militares temem que jornalistas
comprometam operações divulgando informações que ajudem o
inimigo. Não há censura prévia,
mas regras para que os correspondentes "encaixados" não divulguem informações que prejudiquem a segurança das tropas.
Durante a guerra pelas Falklands/Malvinas, a BBC divulgou
certa vez o exato lugar que os britânicos iriam atacar, o vilarejo de
Goose Green. Os soldados ficaram naturalmente irritados. A informação surgiu de um "vazamento" em Londres, não dos correspondentes no local.
Um jornalista americano já foi
expulso do Iraque pelos marines
por violar as regras, apesar de não
ser um dos "encaixados".
Phil Smucker, que trabalhava
como free-lance para os jornais
"Christian Science Monitor" (dos
EUA) e "Daily Telegraph" (do
Reino Unido), foi expulso por ter
supostamente colocado em perigo uma unidade ao revelar com
precisão sua localização.
Em entrevista à CNN, ele disse
que a unidade de fuzileiros navais
estava 96 km ao sul de Bagdá. Ele e
o fotógrafo Andy Nelson tinham
comprado um carro no Kuait e
burlado a patrulha na fronteira, se
misturando a um comboio de
marines. O editor Paul van Slambrouck, do "Monitor", publicou
nota negando que o repórter tenha divulgado algo comprometedor. (RICARDO BONALUME NETO)
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