|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RELATOS DO FRONT
"Resistência não é coragem, é estupidez"
STEVEN LEE MYERS
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES",
COM A 3ª DIVISÃO DE INFANTARIA, CENTRO DO IRAQUE
Agora que os combates cessaram, ele se sente perturbado. O
sargento Mark N. Redmond se
lembra de ter gritado "giff", a palavra árabe para "parem", mas
eles não o fizeram. Continuaram
avançando.
A unidade de Redmond passou
três dias e três noites combatendo
pela ponte em Kifl, uma aldeia no
rio Eufrates. Sob qualquer definição militar -território capturado, número de inimigos mortos,
missão realizada-, a batalha de
sua tropa terminou em vitória.
Mas depois da vitória, no entanto,
vem o repouso. E, com o repouso,
chega a reflexão.
"Quero dizer, tenho uma mulher e filhos para quem voltar",
disse ele, sentado em um caixote
de rações no acampamento que
serve de base à sua tropa, aproveitando um descanso inesperado e
por isso ainda mais apreciado.
"Não quero que eles pensem que
sou um matador."
Os combates em torno de Kifl se
atenuaram na sexta-feira, disseram oficiais na região, e o mesmo
vale para boa parte da área que
cerca Najaf, a cidade sagrada no
rio Eufrates que a 3ª Divisão de
Infantaria vem lutando por cercar
em uma batalha inesperadamente
feroz iniciada na noite da segunda-feira, quando a unidade de
Redmond, a Tropa C, que opera
sob as ordens da 1ª Brigada da divisão, atravessou o rio pela primeira vez.
Os comandantes da divisão
anunciaram na sexta-feira que o
efeito sufocante de um anel de
cerco blindado que se expande
em torno da cidade, acoplado a
ataques aéreos e barragens de artilharia, havia por fim detido os
esforços iraquianos de reforçar
Najaf, ainda que a situação na cidade em si, localizada no centro
do Iraque, continue incerta.
Lembranças incômodas
Na noite de sexta-feira, continuava a não haver um cálculo
completo do número de inimigos
mortos na batalha, ainda que soldados e oficiais dissessem que ele
atingia no mínimo a casa das dezenas. E para alguns soldados, como Redmond, as lembranças
continuam a incomodar.
"Eles simplesmente avançavam
em nossa direção", afirma o sargento, descrevendo a forma pela
qual os milicianos iraquianos começaram a lutar, tão logo a Tropa
C atravessou a ponte de duas pistas sobre o rio Eufrates. "Para
mim, parecia que estavam nos
testando, mas era suicídio."
Na sexta-feira, só restavam escaramuças. As forças iraquianas
dispararam morteiros contra Kifl
na manhã daquele dia, mas sem
efeito, segundo oficiais dos Estados Unidos -barragens da artilharia norte-americana os silenciaram rapidamente.
"Eles aprenderam que, caso se
aproximem demais, coisas ruins
acontecem", disse o capitão
Adam J. Morrison, o oficial assistente de artilharia da brigada, na
tenda cheia de areia onde o centro
de operações táticas da unidade
está instalado.
Boa parte do poder de fogo da
brigada e da divisão se concentrou em lugar disso ao norte, com
o disparo de foguetes e pedidos de
ataques aéreos contra o que os
oficiais descreveram como baterias de artilharia e outros alvos
iraquianos. O comandante da divisão, o major-general Buford C.
Blount III, disse em entrevista na
quarta-feira que os esforços do
Exército concentravam-se agora
em reduzir a resistência das forças
iraquianas na rota para Bagdá.
E, em Kifl, o esforço se dedicava
à contabilidade.
A Equipe de Registro de Sepulturas da brigada começou a se espalhar pela aldeia e suas imediações para recolher os restos mortais dos combatentes iraquianos,
que foram recolhidos em sacos
plásticos pretos, acompanhados
de quaisquer objetos pessoais que
possam ajudar a identificá-los.
"Basicamente, fizemos pelos
mortos iraquianos a mesma coisa
que teríamos feito por mortos
norte-americanos", disse o capitão Andrew J. Valles, o oficial de
assuntos civis da brigada.
"Perto, mas não no meio"
Para Redmond, 26, era hora de
digerir o que havia acontecido.
Ele não queria se concentrar nos
detalhes das mortes causadas por
suas armas. "Outros sujeitos podem lhe contar os detalhes, talvez
até embelezá-los para criar uma
história melhor", disse.
Redmond se alistou no Exército
três anos atrás, depois de algum
tempo vivendo de bicos em sua
cidade de origem, uma pequena
comunidade com quatro igrejas e
sem semáforos perto de Gainesville, Flórida.
Ele queria ser um soldado de
combate, mas sua mulher disse ao
encarregado do recrutamento do
Exército que preferia que ele tivesse um trabalho -ou Especialidade de Ocupação Militar, MOS,
no jargão do Exército- mais seguro. O oficial de recrutamento
sugeriu que ele se tornasse um observador avançado, o encarregado de solicitar e coordenar fogo
de artilharia e ataques aéreos.
"Ele disse que eu estaria perto o
bastante da frente para ver os
combates, mas não estaria no
meio deles", disse. "Mas olhe para
mim agora."
Redmond estava na ponte,
quando os iraquianos detonaram
explosivos por sob seu veículo. A
ponte se abalou, mas não chegou
a cair, e ele sentiu o súbito e doloroso medo de ficar isolado.
Em retrospecto, questiona a decisão de enviar apenas uma tropa
de patrulha, sem blindados, para
o outro lado da ponte.
Como muitos dos soldados aqui
presentes -do mais simples praça ao comandante do 5º Corpo de
Exército, tenente-general William
S. Wallace-, Redmond afirma
que não esperava que os iraquianos resistissem às forças da coalizão com tamanha persistência.
"Eu esperava que muito mais
gente se rendesse", disse. "Pelas
informações que recebi, achei que
todos capitulariam."
Nos três dias que se seguiram,
isso não aconteceu, e ele disparou
todas as armas de que dispunha,
incluindo uma metralhadora, seu
fuzil M-4 e um lançador de granada -tudo menos o míssil antitanque que havia em seu veículo.
Muitos dos iraquianos, segundo o
sargento Redmond, atacaram
sem hesitar diante do fogo intenso dos tanques.
"Não chamaria isso de coragem.
Chamaria de estupidez", afirmou.
"Nós damos muito mais valor do
que eles à vida de um soldado.
Quero dizer, um AK-47 nada pode contra um Bradley. Adoraria
saber o que Saddam está dizendo
ao seu povo."
"Quando voltar para casa, as
pessoas vão querer me tratar como herói, mas isso eu não sou",
prosseguiu Redmond. "Sou cristão. Se tenho de matar outro homem, cumpro meu dever, mas isso não me torna herói. Só quero
voltar para casa, para minha mulher e meus filhos."
"Resposta do amor"
O capelão-chefe da brigada, major Mark B. Nordstrom, disse ter
passado mais de seis horas com os
soldados da tropa na quinta-feira,
depois que eles voltaram de Kifl.
Redmond era um dos presentes.
Nordstrom é membro de um
dos ramos dos menonitas, que
pregam uma teologia pacifista.
Ele pensou bastante a respeito da
situação. Menciona a teoria da
guerra justa, de santo Agostinho:
"A guerra é a resposta do amor a
um vizinho ameaçado pela força."
"Nos últimos dias, milhares de
soldados foram mortos", disse.
"Nada nos prepara para matar
outro ser humano. Nada nos prepara para usar uma metralhadora
e cortar alguém pela metade."
"Eles contam histórias entre si",
acrescentou, quanto aos soldados. "Quando me aproximo, contam histórias diferentes. Não gostam de tirar vidas, especialmente
de perto. Querem conversar comigo para saber que eu sei que
não são pessoas horríveis."
Texto Anterior: Mentor do ataque: Perle prevê guerra mais curta do que em 1991 Próximo Texto: Pilotos da coalizão sofrem choque de realidade Índice
|