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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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Pilotos da coalizão sofrem choque de realidade

"As bombas explodem em fragmentos. E, de repente, a gente só vê um clarão azul e branco na frente do avião"

LYNETTE CLEMETSON
DO ""NEW YORK TIMES",
NO PORTA-AVIÕES ABRAHAM LINCOLN

Depois de todos os boletins, o treinamento, o vôo e a espera, a guerra contra o Iraque não se desenrolou como o tenente Dewaine Barnes, do esquadrão VFA-115, tinha previsto.
A ação militar começou inesperadamente com os mísseis para matar Saddam Hussein. A guerra aérea, marcada por mísseis teleguiados, transformou-se em poucos dias num cenário de risco, com o lançamento de bombas servindo para abrir espaço para o avanço das tropas terrestres.
E na quinta-feira, depois de dias de exaustivas missões sobre o Iraque, com o tempo desfavorável, problemas de combustível e uma situação difícil para as tropas terrestres, o piloto do caça F/A-18 atirou sua primeira bomba.
Ao explicar como se sentiu após o ato -a primeira vez que o fez em mais de uma semana de guerra-, Barnes, cuidadoso com palavras, começou a se dizer ""desapontado", mas depois se conteve.
""Acho que eu não estava imaginando que não fosse jogar. Afinal de contas, trata-se de uma guerra", disse Barnes, 28.
A reação do jovem piloto de Pensacola não foi muito diferente da de outros pilotos que estão no porta-aviões Abraham Lincoln, no golfo Pérsico. Desde que a guerra começou, estão todos preocupados em levar adiante sua missão, para a qual foram treinados durante meses.
Para Barnes, que se tornou um piloto para continuar o legado do grupo de pilotos negros que participaram da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e que abriram caminho para pessoas como ele, o desejo de participar da guerra é explicado por motivos pessoais, mas também pelo senso de responsabilidade.
As primeiras missões aéreas da coalizão tiveram problemas de abastecimento, e quatro de 12 aviões viraram ""tanques", para armazenar combustível para as demais aeronaves.
De cara, Barnes sofreu forte bombardeio das tropas terrestres leais a Saddam. Depois de ter feito várias missões pelo espaço de exclusão aérea do Iraque nos últimos meses, Barnes já tinha enfrentado o ataque dos rivais, mas nunca com tanta intensidade como nos primeiros dias da guerra.
""Uma vez que o ataque da artilharia atinge uma certa altura, as bombas explodem em fragmentos", afirmou. ""E, de repente, a gente só vê um clarão azul e branco na frente do avião."
Ter de voar em áreas para as quais o comando terrestre ordena e que estão repletas de civis ou das próprias tropas de coalizão significa outra missão perigosa.
Manter o foco, ele disse, exige alto nível de mentalização, onde os dias giram apenas em torno das missões. Jogos de gamão, uma das atividades prediletas há pouco mais de uma semana, parecem uma memória distante.
Embora ele ainda consiga tempo para mandar e-mails a seu melhor amigo, o tenente Isaac Shareef, que também é piloto e participa da operação no Iraque, as mensagens trocadas, bem curtas, se limitam a dizer que estão bem.
Quando sai em missão, Barnes, como vários dos pilotos que fazem parte de seu esquadrão, tem um dia puxado. Chegou a fazer duas missões em um só dia, com a primeira começando às 7h45 e a segunda terminando 12 horas depois. Teve apenas um intervalo de 45 minutos. ""Você está fazendo planos, voando, dormindo ou comendo", afirmou.
Mas logo ele coloca seu papel em perspectiva. As últimas tempestades de areia tornaram os vôos os mais perigosos que ele ou seus colegas já fizeram. ""Não importa o quão seja difícil lá fora para a gente, temos de dar um jeito de voltar ao porta-aviões."
E, enquanto o tempo passa, no intervalo entre uma missão e o curto período de descanso antes de começar a próxima, Barnes repensa sua resposta sobre jogar ou não jogar mais bombas.
Bombardeios ou não, ele conta, as lições que aprendeu nos primeiros dias da guerra são muito mais fortes do que todas as que teve até então.
""É estranho quanta coisa pode acontecer em apenas uma semana", filosofou, antes de partir para umas poucas horas de sono.

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