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ENTREVISTA/
MASSOUMEH EBTEKAR
"EUA não digeriram
a Revolução Islâmica"
Porta-voz do grupo que tomou a Embaixada dos EUA em 1979 diz à Folha que invasão foi "um exemplo para o mundo"
ENTRE OS ESTUDANTES QUE INVADIRAM a
Embaixada dos EUA em Teerã, em 1979, radicalizando a recém-declarada Revolução Islâmica, estava Massoumeh Ebtekar. Aos 19 anos, a estudante foi escolhida como porta-voz do grupo pelo inglês
fluente. No último sábado, a hoje professora de imunologia,
recebeu a Folha. Depois da invasão, Massoumeh, 46, virou a
primeira vice-presidente da história do Irã, fundou um partido reformista, criou um jornal e dirigiu uma ONG. "Não vejo
lugar para arrependimento", diz ela, sobre a invasão. "Demos
um exemplo ao mundo." A seguir, sua entrevista:
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
FOLHA - A sra. se arrepende?
MASSOUMEH EBTEKAR - Olhando
para trás, não vejo lugar para
arrependimento.
FOLHA - Faria de novo, hoje?
MASSOUMEH - Hoje é diferente.
Ainda há o antagonismo com os
EUA, mas as circunstâncias são
outras. Olhando para aqueles
dias, no entanto, creio que foi
uma ação justificada, que significou muito não só para a Revolução Islâmica como para a luta
da liberdade no mundo. Naquela época, o império norte-americano era um mito, parecia invencível. Sim, sofremos depois
com os embargos, tivemos dificuldades, mas avançamos, somos livres e independentes.
FOLHA - Mas por que invadir?
MASSOUMEH - Nós achávamos
que os EUA estavam conspirando para minar uma revolução então ainda muito jovem.
Nós tínhamos apenas um governo interino, não contávamos nem com um Parlamento.
E, como estudantes de história,
estávamos familiarizados com
os precedentes de intervenções
americanas, como no Chile, por
exemplo.
Um dos heróis que estudávamos, além de Che Guevara, era
Salvador Allende. Quando o xá
recebeu asilo dos EUA, decidimos tomar uma ação drástica,
algo que impedisse os americanos de seguir adiante com seu
plano de golpe.
FOLHA - Com a ação, no entanto,
além de ferir as leis internacionais,
ajudaram a isolar ainda mais o Irã.
MASSOUMEH - Consideramos
todas as opções e chegamos à
conclusão de que uma negociação não era possível, pois ninguém escutaria a voz de um
grupo de estudantes. Então, alguém sugeriu uma ocupação
pacífica da embaixada. Pensamos na época que com isso pelo
menos poderíamos parar o ritmo do golpe. Nós éramos intelectuais, não soldados ou terroristas, mas estávamos desesperados. Por isso tomamos atitudes não-convencionais.
FOLHA - O Irã e os EUA caminham
para um novo enfrentamento, dessa vez em torno da questão nuclear.
O que a sra. acha que acontecerá?
MASSOUMEH - Espero que os
americanos apreciem a oportunidade que têm agora de poder
negociar. Eles ainda não digeriram a Revolução Islâmica, não
sabem o que acontece por aqui.
A energia nuclear para fins pacíficos tem o apoio unânime do
povo, que pode até não se unir
no apoio a esse governo especificamente no poder agora. Mas
na questão de defesa territorial
estamos unidos.
FOLHA - A sra ajudou a implantar
esse regime. "República islâmica"
não é uma contradição em termos?
MASSOUMEH - Essa é uma questão que intriga estudiosos há
vários anos. Desde a Revolução
Islâmica, tivemos muitas experiências práticas de democracia
num contexto islâmico. O Irã é
uma república islâmica por insistência do imã Khomeini
(1902-1989). Nos primeiros
anos pós-revolução, havia muita discussão, alguns queriam
fazer do país um Estado islâmico, mas o imã queria uma república, sem que o Estado fizesse
sombra. Houve um referendo, e
a sua escolha venceu. Nós temos eleições diretas, um sistema muito democrático, que
nem mesmo os EUA têm. Eles
não elegem o presidente por
voto direto, por exemplo.
FOLHA - Mas lá existe a divisão entre igreja e Estado, que aqui se confundem.
MASSOUMEH - Talvez o Irã seja
um novo modelo de governo
não só para países islâmicos
mas para o mundo. Você vê tantos escândalos no mundo inteiro, talvez os princípios religiosos sejam um fator que mantenha o político na linha.
FOLHA - Então a sra. acha que o Irã
vive numa democracia hoje?
MASSOUMEH - Sabemos que temos problemas sérios e desafios. Temos interpretações diferentes da Constituição, rixas
políticas, partidos que não toleram a abertura que uma sociedade islâmica tem de ter. Alguns são pessimistas, dizem
que islamismo e democracia
são incompatíveis, que poucos
são como o ex-presidente Mohammad Khatami (1997-2005), que podem tolerar opiniões da oposição.
FOLHA - A sra. foi a primeira vice-presidente do país. Quão difícil é ser
mulher no Irã?
MASSOUMEH - É desafiador, como em qualquer sociedade. Você encontra pessoas com mentalidades diferentes, lutas de
classes que impedem que você
evolua, visões tradicionais que
tentam se impor em nome do
islamismo, erroneamente, eu
devo dizer, em nome do islamismo. Tudo isso impede que a
mulher avance.
FOLHA - Eu não pude cumprimentá-la com um aperto de mãos, e a
sra. teve de me receber vestindo um
xador. Segundo a lei islâmica, a sra.
tem metade do valor jurídico de um
homem. Isso não a incomoda?
MASSOUMEH - Como ser humano, de acordo com o islã, sou totalmente igual a um homem, ao
meu marido. Dito isso, homem
e mulher foram criados para
papéis diferentes na sociedade,
têm diferentes responsabilidades. Isso não significa que um
seja inferior ao outro.
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