São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

China chega à maioridade, diz embaixador

Intérprete de Nixon, Charles Freeman afirma que repressão de 1989 atingiu filhos da elite e surgiu de medo da anarquia

Ex-representante da Casa Branca em Pequim defende parceria sino-americana e diz que democracia chinesa será atingida gradualmente

DA SUCURSAL DO RIO

Um dos principais intérpretes na primeira viagem do presidente americano Richard Nixon à China, que selou em 1972 o início da hoje simbiótica relação entre as duas potências, o embaixador aposentado Charles W. Freeman é uma das personalidades mais fortes da elite diplomática de Washington. Franco como poucos diplomatas, adepto da realpolitik, Freeman esteve à frente das embaixadas dos EUA na Arábia Saudita e na China, entre outros cargos. Defensor enfático de relações fortes entre China e EUA o embaixador interpreta duas datas do calendário chinês deste ano -os 20 anos da repressão aos protestos na praça da Paz Celestial e os 60 da Revolução Comunista, em outubro- e afirma que 2009 marca a "maioridade psicológica da China". (CLAUDIA ANTUNES)

 

FOLHA - Antes da repressão aos protestos na praça da Paz Celestial, quais eram os principais dilemas que opunham o então líder do PC, Zhao Ziyang, favorável ao diálogo com os manifestantes, e Deng Xiaoping, então chefe da Comissão Militar do Partido?
CHARLES W. FREEMAN - Foram eventos complexos, com várias facções disputando tanto na praça quanto nos círculos internos do PC. Nunca saberemos se o diálogo poderia ter dispersado os estudantes e aberto um processo de evolução pacífica para um sistema mais democrático, como desejavam muitos estudantes e o secretário-geral Zhao. Os linha-dura dos dois lados temiam as consequências de ceder. Alguns na praça queriam uma confrontação sangrenta. Alguns no partido consideravam a repressão violenta essencial para acabar com a oposição. O resultado foi a tragédia de 4 de junho.

FOLHA - Como é a interpretação chinesa desses eventos hoje?
FREEMAN - A política das grandes nações é sempre dominada pelos fatores e perspectivas domésticas. Os líderes chineses se preocupam mais com a segurança interna do que com as relações internacionais. O consenso na liderança chinesa é que seu maior erro foi a indecisão. O fracasso em pôr fim às manifestações antes que elas saíssem do controle, em sua visão, tornou inevitável o uso da força. A tragédia resultante foi ainda mais traumática porque alguns na praça eram os filhos da mesma elite que acabou mandando os militares para colocá-los para fora.

FOLHA - O senhor já disse que a democratização chinesa poderia criar mais pressão nacionalista sobre os dirigentes em questões como Taiwan. Interessa ao Ocidente que a China ponha a estabilidade antes da democracia?
FREEMAN - A China é a única grande potência cujo território permanece dividido pelos efeitos do colonialismo e da Guerra Fria, e o único que tem fronteiras não demarcadas. O alinhamento de Taiwan com os EUA frustrou o objetivo do PC de unificar a China sob o seu comando. A China, como outras civilizações não ocidentais, vive com o trauma da humilhação pelo colonialismo. O governo chinês compartilha do nacionalismo da maioria dos cidadãos, mas muitas vezes age para acalmar os ânimos. É do interesse do Ocidente que a democratização chinesa seja alcançada gradualmente, com estabilidade social e sem confrontos emocionais com outras grandes potências.

FOLHA - Qual é a memória mais vívida de sua primeira ida à China?
FREEMAN - O que mais me impressionou em 1972 foi ver o grau de continuidade entre a China imperial e a República Popular. Eu estudara em Taiwan, que dizia ter preservado a cultura política e os hábitos sociais tradicionais, mas que de fato os havia modernizado. Eu tinha levado a sério demais o que os comunistas diziam sobre terem transformado a China continental. As famílias continuavam presas a seus lugares ancestrais, com sua cultura tradicional, a influência estrangeira era mínima, e a economia era desconectada do resto do mundo.

FOLHA - Como pensa que o 60º aniversário da revolução será comemorado em outubro?
FREEMAN - Com uma grande parada militar na praça da Paz Celestial destinada a demonstrar a modernização militar da China e a deter qualquer país que possa ser tentado a desafiá-la militarmente. Se os Jogos Olímpicos [de 2008] marcaram a reconquista da competência técnica e econômica pela China, este dia nacional vai marcar sua reemergência como um Estado moderno e poderoso. Este ano marca a maioridade psicológica e a superação do apequenamento que a China experimentou de 1842 [quando assinou o Tratado de Nanquim, que abria seus portos ao comércio britânico do ópio] a 1949.

FOLHA - Hoje, muitos analistas falam em um G2, com EUA e China. O senhor concorda com esse conceito?
FREEMAN - A noção de um G20 reconhece que a China está agora se tornando uma potência mundial, cujos interesses devem ser levados em consideração na resolução de questões em qualquer lugar. Mas o mundo não precisa e não receberia bem a substituição da tentativa fracassada americana de unipolaridade por um condomínio sino-americano. Nem este duopólio funcionaria. Como mostra o G20, o poder e a riqueza estão crescentemente difusos. A China e os EUA devem dar atuar em um contexto multilateral.


Folha Online
Leia a íntegra da entrevista www.folha.com.br/ 091494




Texto Anterior: Memórias de ex-líder comunista perturbam Pequim
Próximo Texto: "Na história chinesa, moderados sempre perdem"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.