São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

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"Na história chinesa, moderados sempre perdem"

DE PEQUIM

Um dos quatro líderes que negociaram a retirada dos manifestantes da praça da Paz Celestial na madrugada de 4 de junho de 1989, o professor Zhou Duo, 62, continua a pagar por sua participação nos protestos.
Zhou ficou preso por um ano e nunca mais trabalhou -foi aposentado compulsoriamente da Universidade de Pequim, onde lecionava sociologia.
Tentou várias vezes uma reintegração ao cargo e vê as portas se fecharem quando seu passado militante é descoberto.
No dia 4, se não ficar em prisão domiciliar, Zhou promete fazer greve de fome em um parque da cidade, para exigir do governo investigação de responsabilidade de quem mandou os tanques para a praça -e, segundo ele, para exigir sua liberdade de expressão. (RJL)


 


JANTAR COM A POLÍCIA
A polícia me visita com frequência, mas posso viajar ao exterior e pela China. Na semana passada, fui convidado a jantar por agentes de segurança do meu bairro. Os policiais pediram gentilmente que eu não desse entrevistas a jornalistas estrangeiros dentro do meu apartamento, por isso estou conversando com você neste café. "Você deve estar muito ocupado ultimamente", brincou um dos policiais.

TANQUES
Éramos cerca de 5.000 pessoas na praça na noite de 3 de junho. Uma semana antes, o número foi encolhendo quando as pessoas começaram a notar que os militares invadiriam o centro de Pequim. O massacre não aconteceu na praça, eu estava lá. Os tanques e os militares foram matando nos bloqueios nas entradas da cidade e nas avenidas rumo à praça da Paz Celestial. Começamos a ouvir tiros às 2h da manhã.

SEM NEGOCIAÇÃO
Às 3h da manhã, nós éramos quatro professores e tínhamos que convencer os estudantes a deixar a praça. Liu Xiaobo [autor de um manifesto pró-democracia em dezembro, preso desde então] e eu fomos falar com Chai Ling, a líder dos estudantes. Ela se negou a nos ouvir e disse que não entregaríamos a praça de graça. Havia civis armados, ameaçando atirar quem quisesse abandonar a praça, "os traidores".
Queríamos pedir pelos alto-falantes para os estudantes se retirarem, recolher e entregar as armas e depois negociar com os militares. Todas as luzes da praça se apagaram às 4h.

INSTANTES FINAIS
Não conseguimos nada disso, então pedi que Hou Dejian me acompanhasse a negociar com os militares. Ele era um cantor famoso, não teriam coragem de atirar nele. Pedimos carona a militares que tinham uma van.
Os militares disseram que só precisariam negociar com os superiores. Deram meia hora para que nos retirássemos.
Deixei a praça com outros amigos às 6h da manhã, vários grupos estavam saindo pelo sudeste da praça. Havia corpos e sangue na avenida. Pelos meus cálculos, morreram mil pessoas. Da praça, fui para a minha casa. Fui preso no caminho.

NÃO SÓ DEMOCRACIA
Estudantes queriam liberdade, democracia, reforma universitária. Os mais jovens pediam mais fundos para as universidades, os mais velhos reclamavam de inflação, de desemprego e de corrupção, que era apenas uma pequena fração da que acontece hoje.
Não era governo versus estudantes. Havia professores, médicos, funcionários públicos, idosos. E o governo estava dividido. O secretário-geral, Zhao Ziyang, queria mais reformas, e a velha guarda queria acabar com o protesto. O grupo mais radical dos estudantes, liderado por Chai Ling, também não queria conversa.

DERROTA MODERADA
Os dois grupos moderados perderam força, e a linha dura dos dois lados prevaleceu. E veio a tragédia. Estudo agora por que, na história da China, os moderados sempre perdem.
Na cultura política chinesa, consenso e negociação são vistos como covardia, fraqueza.


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