|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Japão enfrenta impasse de longo prazo
Derrota sofrida pelo partido do premiê Abe nas eleições para o Senado pode mergulhar país em uma paralisia política
Apesar da surra nas urnas, Abe se recusa a deixar cargo; reclamações na base do PLD crescem, mas ainda faltam candidatos à sua sucessão
DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"
A imagem a ser lembrada da
primeira campanha eleitoral de
Shinzo Abe não é a do premiê
japonês, mas a do ministro da
Agricultura Norihiko Akagi,
que surgiu diante da imprensa
com o rosto coberto de curativos. Pivô do mais recente escândalo envolvendo dinheiro
sujo a corroer a credibilidade
do governo, Akagi se recusou a
revelar o que ocorrera e até a
admitir que havia algo errado.
A imagem é apropriada para
Abe: mesmo após a surra que
seu partido levou no último domingo na eleição para o Senado, a pior derrota do Partido Liberal Democrático desde sua
criação, em 1955, o premiê recusou-se a renunciar.
A decisão foi contestada pelo
oposicionista Partido Democrático do Japão. "O veredicto
do povo é inequívoco", disse
Naoko Kan, vice-presidente do
PDJ. "Abe deveria responder
de modo apropriado à população." No entanto o PDJ não
tem como coagir o premiê -a
oposição controla o Senado,
mas é a Câmara, onde o PLD
ainda tem maioria e cujas eleições estão previstas somente
para 2009, que nomeia o chefe
de governo. O real perigo para
Abe, ao menos por ora, é seu
próprio partido.
Ruído nas bases
À primeira vista, os pesos-pesados do PLD parecem apoiar a
decisão de Abe de se manter no
cargo: o secretário-geral, Hidenao Nakagawa, e Miko Aoki, líder no Senado, se ofereceram
para assumir a responsabilidade pela perda e renunciar. O
premiê também prometeu mudanças em seu gabinete. Mas
ontem, no nível das bases do
PLD, já se questionava por que
se deve esperar que todos menos Abe arquem com as conseqüências da derrota.
Gerry Curtis, especialista em
Japão na Universidade Columbia (EUA), acha que Abe pode
tentar segurar-se no poder por
meses. Como seu antecessor,
Junichiro Koizumi, reduziu o
poder das facções do PLD, há
poucos candidatos fortes para
assumir seu lugar.
O chanceler Taro Aso até então tem se mostrado leal a Abe,
e o ex-ministro das Finanças
Sadakazu Tanigaki, outro nome de peso, lançou-se em uma
campanha pelo aumento do
imposto sobre o consumo -hoje em 5%- vista pelas bases do
PLD como suicídio eleitoral.
Haja o que houver, sem eleições gerais é improvável que a
paisagem política do Japão se
defina -o que, crêem analistas,
levaria a meses de impasse e indefinição política.
De fato, já se vêem sinais das
novas realidades políticas no
processo decisório: o PDJ disse
ontem que vai votar contra a
extensão da vigência da lei
emergencial contra o terrorismo, que autoriza o Japão a suprir de combustível os navios
de guerra americanos no Índico. Esse apoio logístico, assim
como o envio de 550 soldados
ao Iraque, foram muito bem recebidos por Washington. Mas
tudo isso pode parar agora.
Ainda assim, analistas acham
pouco provável uma grande reversão no âmbito econômico,
embora os resultados da eleição possam ser interpretados
como protesto contra a campanha de liberalização do mercado inspirada por Koizumi. Mas
o PDJ não está em posição de
exigir mais gastos fiscais: as decisões relativas ao Orçamento
ainda são tomadas na Câmara,
onde poucos estão dispostos a
defender mais empréstimos ou
aumentos nos impostos.
Para os economistas, um
Parlamento em que nenhum
partido detém maioria clara
pode de fato significar que pouco será feito em termos de inovações políticas. Mas é possível
que nada disso tenha importância. O quadro econômico
global do Japão ainda é bastante bom, e as perspectivas são de
um crescimento alto a continuar ainda por alguns anos.
Nessas circunstâncias, o fato
de os políticos japoneses estarem se digladiando e evitarem
decisões ousadas pode não ser
tão ruim assim.
Tradução de CLARA ALLAIN
Texto Anterior: Bolívia: Chileno visita La Paz para discutir energia Próximo Texto: Clima: Inundações deixam 700 chineses mortos Índice
|