São Paulo, terça-feira, 31 de julho de 2007

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Japão enfrenta impasse de longo prazo

Derrota sofrida pelo partido do premiê Abe nas eleições para o Senado pode mergulhar país em uma paralisia política

Apesar da surra nas urnas, Abe se recusa a deixar cargo; reclamações na base do PLD crescem, mas ainda faltam candidatos à sua sucessão

DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"

A imagem a ser lembrada da primeira campanha eleitoral de Shinzo Abe não é a do premiê japonês, mas a do ministro da Agricultura Norihiko Akagi, que surgiu diante da imprensa com o rosto coberto de curativos. Pivô do mais recente escândalo envolvendo dinheiro sujo a corroer a credibilidade do governo, Akagi se recusou a revelar o que ocorrera e até a admitir que havia algo errado. A imagem é apropriada para Abe: mesmo após a surra que seu partido levou no último domingo na eleição para o Senado, a pior derrota do Partido Liberal Democrático desde sua criação, em 1955, o premiê recusou-se a renunciar.
A decisão foi contestada pelo oposicionista Partido Democrático do Japão. "O veredicto do povo é inequívoco", disse Naoko Kan, vice-presidente do PDJ. "Abe deveria responder de modo apropriado à população." No entanto o PDJ não tem como coagir o premiê -a oposição controla o Senado, mas é a Câmara, onde o PLD ainda tem maioria e cujas eleições estão previstas somente para 2009, que nomeia o chefe de governo. O real perigo para Abe, ao menos por ora, é seu próprio partido.

Ruído nas bases
À primeira vista, os pesos-pesados do PLD parecem apoiar a decisão de Abe de se manter no cargo: o secretário-geral, Hidenao Nakagawa, e Miko Aoki, líder no Senado, se ofereceram para assumir a responsabilidade pela perda e renunciar. O premiê também prometeu mudanças em seu gabinete. Mas ontem, no nível das bases do PLD, já se questionava por que se deve esperar que todos menos Abe arquem com as conseqüências da derrota.
Gerry Curtis, especialista em Japão na Universidade Columbia (EUA), acha que Abe pode tentar segurar-se no poder por meses. Como seu antecessor, Junichiro Koizumi, reduziu o poder das facções do PLD, há poucos candidatos fortes para assumir seu lugar.
O chanceler Taro Aso até então tem se mostrado leal a Abe, e o ex-ministro das Finanças Sadakazu Tanigaki, outro nome de peso, lançou-se em uma campanha pelo aumento do imposto sobre o consumo -hoje em 5%- vista pelas bases do PLD como suicídio eleitoral.
Haja o que houver, sem eleições gerais é improvável que a paisagem política do Japão se defina -o que, crêem analistas, levaria a meses de impasse e indefinição política.
De fato, já se vêem sinais das novas realidades políticas no processo decisório: o PDJ disse ontem que vai votar contra a extensão da vigência da lei emergencial contra o terrorismo, que autoriza o Japão a suprir de combustível os navios de guerra americanos no Índico. Esse apoio logístico, assim como o envio de 550 soldados ao Iraque, foram muito bem recebidos por Washington. Mas tudo isso pode parar agora.
Ainda assim, analistas acham pouco provável uma grande reversão no âmbito econômico, embora os resultados da eleição possam ser interpretados como protesto contra a campanha de liberalização do mercado inspirada por Koizumi. Mas o PDJ não está em posição de exigir mais gastos fiscais: as decisões relativas ao Orçamento ainda são tomadas na Câmara, onde poucos estão dispostos a defender mais empréstimos ou aumentos nos impostos.
Para os economistas, um Parlamento em que nenhum partido detém maioria clara pode de fato significar que pouco será feito em termos de inovações políticas. Mas é possível que nada disso tenha importância. O quadro econômico global do Japão ainda é bastante bom, e as perspectivas são de um crescimento alto a continuar ainda por alguns anos.
Nessas circunstâncias, o fato de os políticos japoneses estarem se digladiando e evitarem decisões ousadas pode não ser tão ruim assim.


Tradução de CLARA ALLAIN


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