São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009

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Sofri preconceitos como Lula, diz Bachelet

Presidente do Chile afirma, em entrevista à Folha, que país se preparou para crise poupando quando economia ia bem

Chilena defende candidato governista à sua sucessão, ressaltando que ele tem a experiência necessária para governar em tempo de crise

João Wainer/Folha Imagem
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, durante entrevista em São Paulo; ela diz que não pensa em voltar ao cargo em 2013

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

A mais popular presidente da história do Chile democrático, Michelle Bachelet vê-se numa posição incômoda nas eleições que escolherão seu sucessor, em dezembro próximo.
O candidato da Concertação, a coalizão governista, o ex-presidente Eduardo Frei, está bem atrás nas pesquisas em relação ao oposicionista da direita. Frei tem ainda que disputar votos com o desafiante Marco Enríquez-Ominami, que deixou o Partido Socialista de Bachelet e virou seu maior crítico.
Na entrevista abaixo, concedida à Folha ontem em São Paulo, a presidente chilena insinua que Enríquez-Ominami não tem experiência para governar e critica que ele prefira ser "protagonista" a juntar-se a um projeto coletivo.
Bachelet, que planeja escrever um livro sobre sua experiência como mulher na Presidência, contou que, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sofreu preconceitos. Pouco antes, ela conversou sobre o tema com a ministra Dilma Rousseff, a candidata de Lula para 2010.

 

FOLHA - A senhora há dois anos tinha mais rejeição que aprovação. Agora, é popular. Deve isso à crise, que lhe permitiu gastar mais?
MICHELLE BACHELET
- O que aconteceu no Chile é que tomamos decisões que não foram compreendidas no momento. Poupar não é uma palavra muito popular na política. Decidimos investir, mas também poupar para os tempos difíceis. Esse é o primeiro elemento. O segundo elemento, é que mesmo antes da crise chegar ao Chile, dissemos: "ela vai chegar, somos um país globalizado, preparemo-nos para isso". E começamos a agir. O nosso é um dos cinco maiores programas [de incentivo] do mundo, em relação ao PIB. É 2,8% do PIB. Em segundo lugar, o que aconteceu, e isso é algo também que eu conversava com a ministra [Dilma Rousseff], é que o foco do meu governo era seguir fazendo bem o que estava bem, mas dar uma grande ênfase à proteção social, fazer a reforma da previdência, da educação. As pessoas começaram a entender o que era a rede de proteção que parecia, talvez, um pouco abstrata.

FOLHA - O candidato independente Marco Enríquez-Ominami diz que é a renovação da política chilena, como a senhora foi em 2005. Como responder as críticas quando o candidato da coalizão governista é um ex-presidente e não houve primárias abertas?
BACHELET
- O Chile necessita de governantes sérios, responsáveis, com experiência. Se eu nunca havia sido candidata à Presidência [antes de 2005], eu era ministra, havia trabalhado no serviço público toda minha vida. É importante, sobretudo em momentos de crise, ter um governante sério, responsável, com experiência. O ex-presidente Eduardo Frei, que é meu candidato, tem todas essas características.

FOLHA - Mas a senhora criticou não ter havido primárias abertas...
BACHELET
- Não fui crítica. O que eu disse, naquele momento, quando estava acontecendo a discussão, é que as primárias abertas eram uma opção positiva, mas, disse também que o importante é que a Concertação fosse capaz de juntar-se, sob um mecanismo com um candidato único. E isso foi feito. Quando alguém faz parte de uma força política, há duas maneiras de ver: a partir de um projeto coletivo, ou a partir de um protagonismo pessoal. Acredito no projeto coletivo, e nele, às vezes se ganha, às vezes se perde. Às vezes as decisões deixam felizes a 100%, ou 70%. O importante é manter acordo diante de um eixo central.

FOLHA - A senhora, que era chamada de fraca, "maternal" ou "dialogante demais", disse que vai escrever um livro sobre mulher e poder. A sra. se considera uma liderança pós-Margaret Thatcher, a "dama de ferro" premiê britânica?
BACHELET
- Creio que nós, mulheres, podemos exercer liderança mantendo nossas características, ou podemos buscar usar os códigos masculinos da política. Tivemos Indira Ghandi ou Margaret Thatcher. Eu preferi usar o meu, que busca incluir. Não se trata, como se caricaturizou, de estar dialogando eternamente. Eu sou médica, e se alguém sofrer um infarto diante de mim, eu não vou dialogar, vou agir. Mas, quando se trata de políticas de Estado de longo prazo, que envolvem todos, há que se criar um espaço para a discussão. Acontece esse tipo de situação sempre quando chega ao poder uma pessoa distinta, e aconteceu com Lula. Quanto preconceito não houve contra Lula e sua capacidade de governar? Bom, comigo aconteceu o mesmo. Eu tenho um tipo de personalidade e liderança e pensei que, se me elegeram, eram porque gostavam. O que conseguimos no Chile foram mudanças culturais. Agora as mulheres podem sonhar. Isso eu vejo nas menininhas, e é muito bonito. Antes diziam que queriam ser médicas, como eu, agora dizem que querem ser presidente, como eu. Já se abriu uma possibilidade. Se há sexismo? Sim. Sempre há uma interpretação distinta. Como sempre digo -e isso não é meu-, ninguém quereria que a seleção de futebol do país tentasse se classificar para a Copa do Mundo jogando com metade da equipe. Então, porque alguém defenderia que um país jogasse o destino de seu projeto nas mãos de metade da população, e em alguns lugares até um pouquinho mais que a metade?

FOLHA - A sra. descarta ser candidata a presidente em 2013?
BACHELET
- Não está no meu programa de vida. Terei de compensar a família primeiro.


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