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Sofri preconceitos como Lula, diz Bachelet
Presidente do Chile afirma, em entrevista à Folha, que país se preparou para crise poupando quando economia ia bem
Chilena defende candidato governista à sua sucessão, ressaltando que ele tem a experiência necessária para governar em tempo de crise
João Wainer/Folha Imagem
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A presidente do Chile, Michelle Bachelet, durante entrevista em São Paulo; ela diz que não pensa em voltar ao cargo em 2013
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
A mais popular presidente da
história do Chile democrático,
Michelle Bachelet vê-se numa
posição incômoda nas eleições
que escolherão seu sucessor,
em dezembro próximo.
O candidato da Concertação,
a coalizão governista, o ex-presidente Eduardo Frei, está bem
atrás nas pesquisas em relação
ao oposicionista da direita. Frei
tem ainda que disputar votos
com o desafiante Marco Enríquez-Ominami, que deixou o
Partido Socialista de Bachelet e
virou seu maior crítico.
Na entrevista abaixo, concedida à Folha ontem em São
Paulo, a presidente chilena insinua que Enríquez-Ominami
não tem experiência para governar e critica que ele prefira
ser "protagonista" a juntar-se a
um projeto coletivo.
Bachelet, que planeja escrever um livro sobre sua experiência como mulher na Presidência, contou que, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sofreu preconceitos.
Pouco antes, ela conversou sobre o tema com a ministra Dilma Rousseff, a candidata de
Lula para 2010.
FOLHA - A senhora há dois anos tinha mais rejeição que aprovação.
Agora, é popular. Deve isso à crise,
que lhe permitiu gastar mais?
MICHELLE BACHELET- O que aconteceu no Chile é que tomamos
decisões que não foram compreendidas no momento. Poupar não é uma palavra muito
popular na política. Decidimos
investir, mas também poupar
para os tempos difíceis. Esse é o
primeiro elemento. O segundo
elemento, é que mesmo antes
da crise chegar ao Chile, dissemos: "ela vai chegar, somos um
país globalizado, preparemo-nos para isso". E começamos a
agir. O nosso é um dos cinco
maiores programas [de incentivo] do mundo, em relação ao
PIB. É 2,8% do PIB.
Em segundo lugar, o que
aconteceu, e isso é algo também que eu conversava com a
ministra [Dilma Rousseff], é
que o foco do meu governo era
seguir fazendo bem o que estava bem, mas dar uma grande
ênfase à proteção social, fazer a
reforma da previdência, da
educação. As pessoas começaram a entender o que era a rede
de proteção que parecia, talvez,
um pouco abstrata.
FOLHA - O candidato independente Marco Enríquez-Ominami diz que
é a renovação da política chilena, como a senhora foi em 2005. Como
responder as críticas quando o candidato da coalizão governista é um
ex-presidente e não houve primárias abertas?
BACHELET- O Chile necessita de
governantes sérios, responsáveis, com experiência. Se eu
nunca havia sido candidata à
Presidência [antes de 2005], eu
era ministra, havia trabalhado
no serviço público toda minha
vida. É importante, sobretudo
em momentos de crise, ter um
governante sério, responsável,
com experiência. O ex-presidente Eduardo Frei, que é meu
candidato, tem todas essas características.
FOLHA - Mas a senhora criticou não
ter havido primárias abertas...
BACHELET- Não fui crítica. O
que eu disse, naquele momento, quando estava acontecendo
a discussão, é que as primárias
abertas eram uma opção positiva, mas, disse também que o
importante é que a Concertação fosse capaz de juntar-se,
sob um mecanismo com um
candidato único. E isso foi feito.
Quando alguém faz parte de
uma força política, há duas maneiras de ver: a partir de um
projeto coletivo, ou a partir de
um protagonismo pessoal.
Acredito no projeto coletivo, e
nele, às vezes se ganha, às vezes
se perde. Às vezes as decisões
deixam felizes a 100%, ou 70%.
O importante é manter acordo
diante de um eixo central.
FOLHA - A senhora, que era chamada de fraca, "maternal" ou "dialogante demais", disse que vai escrever um livro sobre mulher e poder. A
sra. se considera uma liderança pós-Margaret Thatcher, a "dama de ferro" premiê britânica?
BACHELET- Creio que nós, mulheres, podemos exercer liderança mantendo nossas características, ou podemos buscar
usar os códigos masculinos da
política. Tivemos Indira Ghandi ou Margaret Thatcher. Eu
preferi usar o meu, que busca
incluir. Não se trata, como se
caricaturizou, de estar dialogando eternamente. Eu sou
médica, e se alguém sofrer um
infarto diante de mim, eu não
vou dialogar, vou agir. Mas,
quando se trata de políticas de
Estado de longo prazo, que envolvem todos, há que se criar
um espaço para a discussão.
Acontece esse tipo de situação sempre quando chega ao
poder uma pessoa distinta, e
aconteceu com Lula. Quanto
preconceito não houve contra
Lula e sua capacidade de governar? Bom, comigo aconteceu o
mesmo. Eu tenho um tipo de
personalidade e liderança e
pensei que, se me elegeram,
eram porque gostavam.
O que conseguimos no Chile
foram mudanças culturais.
Agora as mulheres podem sonhar. Isso eu vejo nas menininhas, e é muito bonito. Antes
diziam que queriam ser médicas, como eu, agora dizem que
querem ser presidente, como
eu. Já se abriu uma possibilidade. Se há sexismo? Sim. Sempre
há uma interpretação distinta.
Como sempre digo -e isso
não é meu-, ninguém quereria
que a seleção de futebol do país
tentasse se classificar para a
Copa do Mundo jogando com
metade da equipe. Então, porque alguém defenderia que um
país jogasse o destino de seu
projeto nas mãos de metade da
população, e em alguns lugares
até um pouquinho mais que a
metade?
FOLHA - A sra. descarta ser candidata a presidente em 2013?
BACHELET- Não está no meu
programa de vida. Terei de
compensar a família primeiro.
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