São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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ARTIGO

Não se iludam, Obama é um autêntico intervencionista


Candidato democrata à Presidência dos EUA usa retórica da Guerra Fria, prega ingerência externa e promete aumentar o orçamento das Forças Armadas

ROBERT KAGAN

Os Estados Unidos devem "liderar o mundo na batalha contra os males imediatos e na promoção do bem último".
Com essas palavras, Barack Obama pôs fim à idéia de que o suposto idealismo exuberante e a soberba "americanocêntrica" dos anos Bush estariam prestes a abrir caminho para um realismo novo, uma visão mais restrita e modesta dos interesses, capacidades e responsabilidades dos EUA.
O discurso de Obama no Conselho de Assuntos Globais de Chicago foi puro John F. Kennedy, sem qualquer sinal de John Mearsheimer. Teve um clima proposital de "nova fronteira", incluindo algumas referências da era Kennedy ("fomos berlinenses") e até mesmo a idéia da Guerra Fria de que os EUA são "o líder do mundo livre".
Ninguém fala em "mundo livre" hoje em dia, e a insistência de Obama de que não devemos "abrir mão de nossa posição de liderança nos assuntos mundiais" será vista como conceito anacrônico por muitos europeus, que já na década de 90 se queixavam da "hiperpotência" dominadora. Em Moscou e Pequim, confirmará as suspeitas sobre o desejo inerente de hegemonia dos EUA. Mas Obama acredita que o mundo deseja nos seguir, desde que recobremos nossa condição de dignos de sermos seguidos. Pessoalmente, gosto disso.
Tudo bem, você estará pensando -pelo menos, ele quer que lideremos pelo exemplo, não pela ingerência nem pela tentativa de transformar o mundo à imagem dos EUA.
Quando ele disse "ouvimos falar muito nos últimos seis anos sobre como o objetivo mais amplo dos EUA no mundo é promover a difusão da liberdade", você por certo esperava que ele se distanciasse desse idealismo supostamente desacreditado.
Em lugar disso, Obama disse "concordo". Sua crítica não é que tenhamos exagerado na ingerência, mas que ela não tem sido suficiente. Construir a democracia não se limita a "depor um ditador e montar uma urna", defende.
Precisamos construir sociedades "com um Legislativo forte, um Judiciário independente, o respeito pela lei, uma sociedade civil dinâmica, uma imprensa livre e uma força policial honesta".
Precisamos reforçar "a capacidade dos Estados mais fracos do mundo" e provê-los "do que eles necessitam para reduzir a pobreza, erguer comunidades saudáveis e instruídas, desenvolver os mercados, gerar riqueza, combater o terrorismo, frear a proliferação das armas mortíferas" e combater as doenças. Obama propõe que até 2012 sejam duplicados, para US$ 50 bilhões, os gastos anuais com esses esforços.
Não se trata de um desejo de fazer o bem em nível internacional. Para Obama, tudo e todos, em toda parte, são uma preocupação estratégica dos EUA. "Não poderemos esperar moldar um mundo em que as oportunidades pesem mais do que os perigos se não assegurarmos que cada criança, em toda parte, aprenda a construir, e não a destruir." A "segurança da população americana está vinculada inextricavelmente à segurança de todos os povos".
OK, diz você, mas, pelo menos, Obama está propondo essa atividade em estilo forças de paz como substitutas da força militar. Com certeza ele pretende reduzir o orçamento da defesa, que no ano passado ultrapassou US$ 500 bilhões, ou ao menos limitá-lo. E ele sabe que não existe solução militar para acabar com o terrorismo.
Na realidade, Obama quer aumentar os gastos com a defesa. Ele quer somar 65 mil soldados novos ao Exército e recrutar 27 mil fuzileiros. Para quê?
Para combater o terrorismo.
Ele quer que as forças americanas "sigam na ofensiva, de Djibuti a Candahar", e acha que "a capacidade de colocar militares em campo será crítica para a eliminação das redes terroristas". Quer assegurar que continuemos a ter "as Forças Armadas mais fortes e mais bem equipadas do mundo".
Em momento algum Obama diz que a força militar só deve ser empregada como último recurso. Em lugar disso, ele insiste que "nenhum presidente deve hesitar em empregar a força -de modo unilateral, se necessário", não apenas "para nos proteger quando formos atacados", mas também para proteger "nossos interesses vitais" quando eles sofrerem "ameaça iminente".
Isso tem um nome: ação militar preventiva. E não vai tranqüilizar aqueles que, em todo o mundo, acham preocupante deixar um presidente americano decidir o que é um "interesse vital" e quando ele sofre "ameaça iminente".
As pessoas no mundo tampouco se sentirão reconfortadas ao ouvir que "quando usamos a força em situações outras que não a autodefesa, devemos fazer todos os esforços para conquistar o apoio e participação claros de outros". Fazer todos os esforços?
Uma ausência notável nas declarações de Obama sobre o uso da força é formada por seis palavras: Conselho de Segurança das Nações Unidas. Obama fala sobre "países fora-da-lei", "ditadores hostis", "alianças robustas" e a manutenção de uma "dissuasão nuclear forte". Fala sobre como devemos "aproveitar" o "momento americano".
Devemos "começar o mundo novamente". Isso é política externa de esquerda? Pergunte a Noam Chomsky na próxima vez em que o encontrar. É claro que isso é apenas um discurso.


ROBERT KAGAN é associado-sênior do Fundo Carnegie pela Paz Internacional, membro transatlântico do German Marshall Fund e assessor informal do candidato republicano John McCain. Seu livro mais recente é "The Return of History and the End of Dreams" (A volta da história e o fim dos sonhos). Este artigo foi publicado antes no "Washington Post" e distribuído pelo New York Times Syndicate

Tradução de CLARA ALLAIN


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