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Ortega usa Justiça para monopolizar poder
Opositores acusam presidente da Nicarágua de agir para banir siglas de oposição no país e criar sistema bipartidário de fachada
Além dos sandinistas, restaria apenas o partido
do ex-presidente Alemán; pacto entre siglas lhes deu domínio sobre três Poderes
MICHAEL DEIBERT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM MASAYA, NICARÁGUA
No Museu e Galeria dos Heróis e Mártires, em Masaya,
uma cidade no sul da Nicarágua, os rostos dos jovens patriotas que deram a vida para libertar esse país empobrecido
de sua tradição de despotismo
contemplam o visitante das paredes, ocupadas por fotografias. Em meio ao firmamento
de levantes políticos centro-americanos da segunda metade
do século 20, Masaya, uma hora
ao sul da capital, Manágua, desempenhou papel decisivo.
Em fevereiro de 1978, Monimbó, um bairro de Masaya,
lançou a salva inicial naquilo
que se tornaria o levante que
derrubou o ditador Anastasio
Somoza Debayle. Somoza seria
removido do poder um ano
mais tarde, e a Frente Sandinista de Libertação Nacional
(FSLN), um movimento guerrilheiro de esquerda, chegaria
em triunfo a Manágua, em uma
vitória que galvanizou insurgentes em toda a região.
Hoje, um dos mais visíveis líderes daquela revolução de
1979, o sandinista Daniel Ortega, voltou à Presidência, depois
de vencer as eleições de 2006,
para retomar o cargo do qual
havia sido ejetado na eleição
geral de 1990. A FSLN se transformou em um dos dois maiores partidos políticos nicaragüenses, mas a paisagem política do país sofreu imensa metamorfose nesse meio tempo.
"Fui ferido combatendo os
contras", diz López Davila, 42,
taxista de Monimbó, em referência aos remanescentes da
Guarda Nacional de Somoza e
outros oposicionistas patrocinados pelos Estados Unidos,
que combatiam para derrubar a
FSLN até a assinatura dos acordos de paz do começo dos anos
90. "Mas agora todos os políticos são iguais. Não acreditamos
em nenhum deles."
Mesmo antes de retornar ao
poder, 18 meses atrás, Ortega
havia solidificado sua posição
como comandante de uma
FSLN cada vez mais centralizada, sobre a qual ele e um pequeno grupo de familiares e assessores exercem controle virtualmente incontestado.
A despeito dos ataques constantes de Ortega contra o capitalismo em seus discursos, o
papel de vanguarda da esquerda que a FSLN exercia foi substituído, nas questões econômicas, por uma abordagem mais
comedida, sob a qual o governo
procura elevar a produção por
meio de um programa de empréstimos de baixo custo aos
agricultores, em uma sociedade
em larga medida agrária.
Oposição dizimada
As maquinações políticas de
Ortega nos últimos anos atraíram mais atenção do que a política fiscal de seu governo, no
entanto. Elas variaram de cobrir o país de cartazes em que
ele elogiava a si mesmo e ao seu
partido a conspirar com o Judiciário e o Legislativo da Nicarágua de maneira a impedir qualquer chance de seus adversários chegarem ao poder.
Em junho, o Conselho Supremo Eleitoral (CSE) decidiu que
dois pequenos partidos de oposição -o Partido Conservador
e o Movimento de Renovação
Sandinista (MRS), fundado por
dissidentes da FSLN em 1995-
não teriam direito de disputar
as eleições municipais que
acontecerão em novembro.
O motivo oficial apresentado
pelo CSE era o fato de os dois
partidos não terem fornecido a
documentação necessária, ainda que diversas outras agremiações em situação semelhante
não tenham sido excluídas.
Os detratores do governo dizem que a medida é uma tentativa da FSLN e de seu oponente
nominal na eleição, o Partido
Liberal Constitucionalista
(PLC), de manipular a votação.
A decisão do CSE, composto
por fiéis partidários de Ortega e
de Arnoldo Alemán, o líder do
PLC, de proibir que Eduardo
Montealegre, antigo membro
do PLC e segundo mais votado
na eleição presidencial de
2006, assumisse a liderança de
seu novo partido, a Aliança Liberal Nicaraguense, parece servir como confirmação desses
temores.
Uma decisão semelhante pelo CSE, de suspender até abril
de 2009 as eleições em três municípios da região autônoma do
Atlântico Norte -uma área remota do país e antigo baluarte
dos contras, habitada por tribos
indígenas tradicionalmente adversárias do governo de Manágua- já provocou tumultos nos
quais uma dúzia de pessoas
saiu ferida.
"A exclusão arbitrária desses
partidos políticos é uma verdadeira ameaça à saúde democrática do país", diz Gonzalo Carrión Maradiaga, diretor da
ONG Centro Nicaragüense de
Direitos Humanos. "É uma
ação calculada porque unidos,
esses partidos representam
ameaça à FSLN e ao PLC, e a
motivação fundamental é forçar a Nicarágua a se tornar um
sistema bipartidário."
Suas palavras poderiam parecer exageradas não fosse o fato de que, em 1999, foi revelado
que Ortega e Alemán haviam de
fato fechado um acordo político secreto que lhes conferia
vastos poderes na Assembléia
Nacional, na qual hoje os sandinistas detêm 38 assentos e o
PLC, 25, em um total de 92.
Além de dividir os cargos públicos entre os partidários da
FSLN e do PLC, o acordo permitiu aos dois partidos exercer
grande influência sobre instituições judiciais como o CSE.
Alemán, ex-presidente condenado em 2003 por corrupção
durante seu governo, entre
1997 e 2002, foi listado em relatório da Transparência Internacional entre os dez líderes
mundiais mais corruptos, depois de ter desfalcado os cofres
públicos do país em montante
estimado em US$ 100 milhões.
Condenado a 20 anos de prisão, Alemán cumpre sua pena
em um regime muito frouxo de
prisão domiciliar, perto de Manágua, e continua a viajar pelo
país para conduzir reuniões políticas. Observadores políticos
definem a atual situação do antigo presidente como a de um
"parceiro menor" na aliança
com Ortega ou até como a de
"prisioneiro" do presidente.
MICHAEL DEIBERT escreveu "Notes From the
Last Testament: The Struggle for Haiti" [notas
sobre o velho testamento: a luta pelo Haiti] (Seven Stories Press)
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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