São Paulo, terça-feira, 31 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vítima pretendia passar 5 anos nos EUA

Juliard Aires, 19, é um dos brasileiros mortos em chacina que deixou 72 vítimas no México na semana passada

Jovem, que gostava de tocar violão e escrever músicas e poemas, queria juntar dinheiro e depois voltar ao Brasil


RODRIGO VIZEU
ENVIADO ESPECIAL A SARDOÁ E SANTA EFIGÊNIA DE MINAS

Juliard Aires Fernandes, 19, poderia estar vivo e junto de sua família no Brasil, caso o país oferecesse oportunidade a todos. "Mas cadê condição?", questiona sua tia Maria da Glória.
Morto na chacina de Tamaulipas, no México, Fernandes tentou entrar ilegalmente nos EUA com o amigo Hermínio Cardoso dos Santos, 24, cujos documentos foram achados junto aos corpos das vítimas.
"Ninguém sai da própria pátria sem ser por necessidade. Aquilo que o nosso país não dá, vamos buscar lá fora. É ilegal? É, mas qual é a alternativa? Entra e sai presidente e não se faz nada", diz a tia, que já viveu seis anos nos EUA e tem uma filha no país.
Fernandes e Santos eram amigos de infância nas zonas rurais de Sardoá e Santa Efigênia de Minas, cidades próximas a Governador Valadares (MG), região célebre pela exportação de mão de obra brasileira para o exterior.
Chorando, o pai de Fernandes, Alírio Aires Fernandes, 66, só consegue dizer uma frase: "Ele era o meu coração". O garoto, que tocava violão e escrevia músicas e poemas, estava animado. Queria ficar cinco anos, juntar dinheiro e voltar.
A família dele diz ter parentesco com Jean Charles de Menezes, brasileiro morto pela polícia em 2005 após ser confundido com um terrorista em Londres.
Filhos caçulas, Fernandes e Santos sempre sonharam em sair do país. Os subempregos americanos pagariam muito mais que os R$ 20 diários que ganhavam trabalhando em obras e na roça.
"Ele queria ganhar um dinheirinho para fazer uma casa e, se sobrasse, comprar um carro velho para descansar as pernas", diz a mãe de Santos, Maria Cardoso, 58, que, apesar de ainda não terem encontrado o corpo, está pessimista.
O filho já tinha trabalhado na Itália, de onde foi deportado, e tentou ir para Portugal, mas foi barrado.
Para a viagem aos EUA, os pais pegaram emprestado R$ 24 mil para pagar atravessadores. As famílias dizem não saber quem os levou.
O périplo do sonho americano incluiu viagens de ônibus para Governador Valadares e São Paulo. Depois, um voo para a Guatemala, de onde partiram por terra até o México. Nos EUA, iriam para Illinois ou Connecticut.

ESPERANÇA
Amigo da família, Bonifácio Caldeira, 49, consola a mãe de Santos e diz ser possível que o jovem tenha fugido.
"Ele pode ter corrido entre os cactos e deixado tudo pra trás. Eu mesmo já perdi meus documentos lá", diz Caldeira, que tentou entrar nos EUA oito vezes -conseguiu na nona oportunidade.
De olhar perdido, a mãe de Santos parece cética: "No meio de tanta gente, demora a reconhecer corpo mesmo".
As duas famílias fazem um apelo para que o governo brasileiro providencie o envio rápido dos corpos.
Primo de Fernandes, Wander, 35, já emigrou com a mulher e deixou dois filhos no Brasil. Foi sequestrado e torturado por inimigos dos coiotes que o botaram nos EUA.
Valeu a pena? "Você perde mais do que ganha. Não vale a pena arriscar a vida", diz.


Texto Anterior: Colono tenta evitar concessões de premiê
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.