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Terrorista saudita antecipa "Halloween" e choca o país
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À FILADÉLFIA
OSAMA BIN LADEN, o superterrorista, inimigo número 1 dos Estados Unidos, antecipou em 48 horas o Dia das
Bruxas ("Halloween", festa tradicional dos americanos,
que se festeja hoje aqui), ao aparecer numa gravação de
vídeo fazendo ameaças ao país. Os EUA amanheceram
ontem em estado de choque com a reaparição do grande
bruxo a apenas 96 horas da eleição presidencial mais polarizada dos anos recentes.
É impossível prever qual será o
efeito Bin Laden sobre as eleições,
mas o fato é que a sua fotografia,
tirada do teipe, foi a capa de praticamente todos os jornais norte-americanos, dos nacionais como
"The New York Times" aos pequenos jornais do interior mais
profundo.
Rápida pesquisa no site "Google
News", ontem pela manhã, apontava 2.184 histórias relacionadas
ao episódio, só em inglês -evidência definitiva de que a reta final da campanha será dominada
pelo espetáculo oferecido pelo superterrorista na sexta-feira.
As reações nas ruas, a julgar pelos jornais norte-americanos e pelo teste feito pela própria Folha na
Filadélfia, a principal cidade do
disputado e indeciso Estado da
Pensilvânia, não permitem conclusão nenhuma: quem já tinha
decidido o voto por Bush, o manteve; quem iria votar por Kerry,
também mantém essa disposição.
Em tese, portanto, o efeito Osama Bin Laden poderá ser sentido
apenas pelos 5% dos eleitores que
estavam indecisos até a divulgação do teipe.
Sobre esses, talvez a melhor indicação de como tendem a reagir
veio em coluna de David Brooks
para "The New York Times".
Depois de chamar de "revoltante" a aparição de Bin Laden,
Brooks diz que ela deve levar o
eleitorado a perguntar quem é o
candidato de fato "apaixonado",
não apenas retoricamente, por
brecar o terrorismo.
Sua resposta: George W. Bush.
É, aliás, a resposta que a maioria
do eleitorado dá, a julgar por pesquisa Gallup divulgada faz uma
semana: 59% diziam que preferiam o presidente no combate ao
terrorismo; apenas 37% achavam
seu rival democrata, John Kerry, o
melhor para fazê-lo.
Também na pesquisa, mais recente, da Zogby International, "o
presidente leva substancial vantagem sobre Kerry" nesse quesito,
diz John Zogby, o executivo-chefe
do instituto.
Mas essa mesma pesquisa mostra que os indecisos "parecem
opor-se muito à guerra (no Iraque) e à maneira como entramos
na guerra", emenda John Zogby,
falando agora das pesquisas qualitativas.
Se é assim, os indecisos poderiam comprar mais facilmente a
teoria de Kerry segundo a qual
Bush errou ao supostamente deixar de caçar Bin Laden no Afeganistão para atacar o Iraque, que
não tinha nada a ver com o terrorismo da rede Al Qaeda, como já
ficou provado.
A aparição de um Bin Laden sólido e sorridente é uma evidência
física e forte de que a caçada ou foi
abandonada, como diz Kerry, ou
não foi eficaz.
Mas a maioria dos analistas ouvidos pelos jornais norte-americanos e pela própria Folha acha
que quem lucra mais com Bin Laden na televisão é o presidente
Bush. Como diz o colunista David
Brooks no "New York Times", o
terrorista "lembrou a todos da indignação moral que sentimos no
11 de Setembro e depois".
Ora, o 11 de Setembro provocou
uma intensa mobilização patriótica em torno do presidente, que o
levou a picos de popularidade somente reduzidos a partir do final
do ano passado.
Vai-se repetir agora o "enrolar-se na bandeira", como dizem os
norte-americanos? Se se repetir,
não será nem remotamente com
idêntica intensidade, pela simples
e boa razão de que uma coisa são
quatro atentados, cerca de 3 mil
mortos, milhares de feridos, símbolos da grandeza norte-americana destruídos, e outra coisa é um
teipe, ainda por cima sem ameaças específicas.
Tanto não houve ameaça específica nem há informação que indique o risco iminente de atentado que a Casa Branca já anunciou
que não vai aumentar o nível de
alerta. É verdade que o alerta já está bastante alto, mas seria tentador aumentá-lo ainda mais: o
acompanhamento de 131 pesquisas do Gallup indica que cada
alerta sobre iminência de atentado eleva a popularidade de Bush
em 2,75 pontos percentuais.
Em uma eleição que está empatada, qualquer pontinho a mais,
para um ou outro candidato, é obviamente decisivo.
De todo modo, a reaparição do
grande bruxo saudita reforça o
caráter que a eleição já vinha tomando: trata-se menos de escolher o presidente da República e
mais de eleger o comandante-em-chefe, uma expressão que, dia
sim, dia não, um ou ambos os
candidatos usam, para dizer que
apenas ele próprio está preparado
para chefiar a mais formidável
máquina de guerra do planeta.
Que um senhor barbudo, letal
mas de aparência inofensiva, cause tanto estrago e tanta mobilização desse formidável inimigo diz
muito sobre as perplexidades inerentes a uma guerra muito diferente de todas aquelas que os Estados Unidos venceram -e foram todas, menos a do Vietnã.
Ordenar desembarques no Iraque, no Afeganistão ou mesmo na
Normandia (na 2ª Guerra Mundial) de territórios fixos e ocupados por Exércitos visíveis e devidamente uniformizados é uma
questão de coragem, claro, mas
também de seguir os manuais que
qualquer comandante-em-chefe
ou conhece ou é lembrado pelos
chefes militares diretos.
Comandar uma guerra contra
um inimigo que parece etéreo e,
de repente, se materializa apenas
virtualmente nas telas de tevê do
mundo inteiro é infinitamente
mais complexo. Daí a perplexidade que já era grande antes e só aumentou com o "Halloween" antecipado e nada simpático.
Ainda em relação ao vídeo com
a reaparição de Bin Laden, o presidente George W. Bush reagiu,
em comício anteontem à noite, às
críticas feitas a ele por Kerry, na
verdade uma reiteração de um
mote de campanha do democrata: de que Bush falhou ao não ter
centrado forças na captura do terrorista saudita.
Falando a uma platéia de 17 mil
apoiadores, em Grand Rapids (no
Estado de Michigan, um dos colégios eleitorais indecisos neste
pleito), Bush afirmou que "esta
eleição vai fixar a direção da luta
contra o terror". E completou: "o
senador John Kerry escolheu o caminho da fraqueza e da inação".
Colaborou a Redação
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