São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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Terrorista saudita antecipa "Halloween" e choca o país

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À FILADÉLFIA

OSAMA BIN LADEN, o superterrorista, inimigo número 1 dos Estados Unidos, antecipou em 48 horas o Dia das Bruxas ("Halloween", festa tradicional dos americanos, que se festeja hoje aqui), ao aparecer numa gravação de vídeo fazendo ameaças ao país. Os EUA amanheceram ontem em estado de choque com a reaparição do grande bruxo a apenas 96 horas da eleição presidencial mais polarizada dos anos recentes.

É impossível prever qual será o efeito Bin Laden sobre as eleições, mas o fato é que a sua fotografia, tirada do teipe, foi a capa de praticamente todos os jornais norte-americanos, dos nacionais como "The New York Times" aos pequenos jornais do interior mais profundo.
Rápida pesquisa no site "Google News", ontem pela manhã, apontava 2.184 histórias relacionadas ao episódio, só em inglês -evidência definitiva de que a reta final da campanha será dominada pelo espetáculo oferecido pelo superterrorista na sexta-feira.
As reações nas ruas, a julgar pelos jornais norte-americanos e pelo teste feito pela própria Folha na Filadélfia, a principal cidade do disputado e indeciso Estado da Pensilvânia, não permitem conclusão nenhuma: quem já tinha decidido o voto por Bush, o manteve; quem iria votar por Kerry, também mantém essa disposição.
Em tese, portanto, o efeito Osama Bin Laden poderá ser sentido apenas pelos 5% dos eleitores que estavam indecisos até a divulgação do teipe.
Sobre esses, talvez a melhor indicação de como tendem a reagir veio em coluna de David Brooks para "The New York Times".
Depois de chamar de "revoltante" a aparição de Bin Laden, Brooks diz que ela deve levar o eleitorado a perguntar quem é o candidato de fato "apaixonado", não apenas retoricamente, por brecar o terrorismo.
Sua resposta: George W. Bush.
É, aliás, a resposta que a maioria do eleitorado dá, a julgar por pesquisa Gallup divulgada faz uma semana: 59% diziam que preferiam o presidente no combate ao terrorismo; apenas 37% achavam seu rival democrata, John Kerry, o melhor para fazê-lo.
Também na pesquisa, mais recente, da Zogby International, "o presidente leva substancial vantagem sobre Kerry" nesse quesito, diz John Zogby, o executivo-chefe do instituto.
Mas essa mesma pesquisa mostra que os indecisos "parecem opor-se muito à guerra (no Iraque) e à maneira como entramos na guerra", emenda John Zogby, falando agora das pesquisas qualitativas.
Se é assim, os indecisos poderiam comprar mais facilmente a teoria de Kerry segundo a qual Bush errou ao supostamente deixar de caçar Bin Laden no Afeganistão para atacar o Iraque, que não tinha nada a ver com o terrorismo da rede Al Qaeda, como já ficou provado.
A aparição de um Bin Laden sólido e sorridente é uma evidência física e forte de que a caçada ou foi abandonada, como diz Kerry, ou não foi eficaz.
Mas a maioria dos analistas ouvidos pelos jornais norte-americanos e pela própria Folha acha que quem lucra mais com Bin Laden na televisão é o presidente Bush. Como diz o colunista David Brooks no "New York Times", o terrorista "lembrou a todos da indignação moral que sentimos no 11 de Setembro e depois".
Ora, o 11 de Setembro provocou uma intensa mobilização patriótica em torno do presidente, que o levou a picos de popularidade somente reduzidos a partir do final do ano passado.
Vai-se repetir agora o "enrolar-se na bandeira", como dizem os norte-americanos? Se se repetir, não será nem remotamente com idêntica intensidade, pela simples e boa razão de que uma coisa são quatro atentados, cerca de 3 mil mortos, milhares de feridos, símbolos da grandeza norte-americana destruídos, e outra coisa é um teipe, ainda por cima sem ameaças específicas.
Tanto não houve ameaça específica nem há informação que indique o risco iminente de atentado que a Casa Branca já anunciou que não vai aumentar o nível de alerta. É verdade que o alerta já está bastante alto, mas seria tentador aumentá-lo ainda mais: o acompanhamento de 131 pesquisas do Gallup indica que cada alerta sobre iminência de atentado eleva a popularidade de Bush em 2,75 pontos percentuais.
Em uma eleição que está empatada, qualquer pontinho a mais, para um ou outro candidato, é obviamente decisivo.
De todo modo, a reaparição do grande bruxo saudita reforça o caráter que a eleição já vinha tomando: trata-se menos de escolher o presidente da República e mais de eleger o comandante-em-chefe, uma expressão que, dia sim, dia não, um ou ambos os candidatos usam, para dizer que apenas ele próprio está preparado para chefiar a mais formidável máquina de guerra do planeta.
Que um senhor barbudo, letal mas de aparência inofensiva, cause tanto estrago e tanta mobilização desse formidável inimigo diz muito sobre as perplexidades inerentes a uma guerra muito diferente de todas aquelas que os Estados Unidos venceram -e foram todas, menos a do Vietnã.
Ordenar desembarques no Iraque, no Afeganistão ou mesmo na Normandia (na 2ª Guerra Mundial) de territórios fixos e ocupados por Exércitos visíveis e devidamente uniformizados é uma questão de coragem, claro, mas também de seguir os manuais que qualquer comandante-em-chefe ou conhece ou é lembrado pelos chefes militares diretos.
Comandar uma guerra contra um inimigo que parece etéreo e, de repente, se materializa apenas virtualmente nas telas de tevê do mundo inteiro é infinitamente mais complexo. Daí a perplexidade que já era grande antes e só aumentou com o "Halloween" antecipado e nada simpático.
Ainda em relação ao vídeo com a reaparição de Bin Laden, o presidente George W. Bush reagiu, em comício anteontem à noite, às críticas feitas a ele por Kerry, na verdade uma reiteração de um mote de campanha do democrata: de que Bush falhou ao não ter centrado forças na captura do terrorista saudita.
Falando a uma platéia de 17 mil apoiadores, em Grand Rapids (no Estado de Michigan, um dos colégios eleitorais indecisos neste pleito), Bush afirmou que "esta eleição vai fixar a direção da luta contra o terror". E completou: "o senador John Kerry escolheu o caminho da fraqueza e da inação".


Colaborou a Redação

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