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Planos dos candidatos vão esbarrar na falta de dinheiro
DE WASHINGTON
OS ELEITORES DO PRESIDENTE George W. Bush
ou do democrata John Kerry podem esperar sentados
por um rápido cumprimento das promessas de seus
candidatos após a eleição. Para o resto do mundo, as alterações de políticas poderão ter conseqüências inesperadas, sobretudo na área econômica. Internamente, ambos candidatos terão uma margem apertada ou nenhuma no Senado para fazer passar projetos importantes.
Em uma boa hipótese, Bush ampliará dos 51 atuais para 54 o número de senadores republicanos
entre as cem cadeiras. Continuará
abaixo de uma margem de 60 votos, considerada segura para atacar questões polêmicas como as
que vêm propondo.
Entre elas, uma simplificação
geral do sistema de impostos dos
EUA e a ""privatização" de parte
da Previdência, permitindo que
os trabalhadores apliquem como
quiser fatias do que teriam direito
a receber no futuro.
Mesmo em seu partido, não há
consenso sobre esses assuntos.
Kerry, por seu lado, poderá ter
tanto o Senado quanto a Câmara,
que deve continuar dominada pelos republicanos, contra ele.
Seu ambicioso projeto de colocar um Estado mais atuante por
trás do caríssimo e privado sistema de saúde dos EUA encontrará
resistências enormes, dentro e fora do Congresso.
Em outras áreas internas, como
educação, treinamento de trabalhadores para reduzir o desemprego e saúde, ambos os candidatos esbarrarão no mesmo obstáculo: dinheiro. Esse é hoje o principal problema da economia mais
rica do mundo, que roda a sua poderosa máquina governamental
afundada em um dos maiores déficits fiscais da história.
Nenhum economista acredita
que os EUA poderão continuar financiando seu governo e uma
campanha militar como a do Iraque sem corrigir essa conta.
Para isso, o país precisará de um
ajuste fiscal, via corte de despesas,
o que é mais difícil, ou pelo aumento de impostos.
Nesse ponto, mais uma promessa de campanha de Bush, de
aprofundar sua política de redução de tributos, dificilmente será
levada adiante com grande intensidade em um eventual segundo
mandato republicano.
Kerry, por seu lado, já deixou
claro que os impostos vão subir
para quem ganha mais de US$
200 mil ao ano para cobrir o buraco nas finanças públicas.
Se os americanos podem acabar
pagando a conta do déficit fiscal, o
resto do mundo deverá absorver,
mesmo que indiretamente, os
custos de outro déficit monumental, o em conta corrente.
Esse déficit já atingiu o equivalente a 5,7% do PIB (Produto Interno Bruto) e vem sendo pressionado, principalmente, pelo fato
de os EUA importarem hoje muito mais do que exportam.
Hoje, a dívida de empresas e importadores americanos com o exterior soma US$ 4,4 trilhões, o dobro do total em 2000, um ano antes de Bush assumir. Isso permite
que os EUA importem 15% de tudo o que consomem.
Essa dívida monumental é uma
fonte de preocupação, pois pode
desencadear uma crise de crédito
para os EUA, caso seus credores
comecem a duvidar da capacidade do país de honrar os seus compromissos no futuro.
A gradual e persistente queda
das cotações do dólar perante outras moedas nos últimos dois
anos é um reflexo dessa dúvida de
quem hoje financia os EUA.
Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, afirma que os déficits gêmeos (fiscal e em conta corrente) dos EUA podem levar o dólar "a uma queda rápida", de 15%
a 20% de seu valor, se houver um
aumento significativo dessa percepção de descontrole. ""A queda
pode ser ainda maior, obrigando
os EUA a aumentar os juros rapidamente para atrair capital, o que
teria conseqüências negativas para todo o mundo", afirma Rogoff.
Economias emergentes, como o
Brasil, seriam as mais afetadas por
um processo como esse, pois perderiam para as taxas de juro
maiores do Tesouro dos EUA os
dólares que hoje financiam suas
contas externas.
No limite, o Brasil e outros países teriam que aumentar as suas
próprias taxas de juro para segurar esses dólares, desaquecendo a
economia. Esse cenário é considerado bastante plausível.
Os EUA podem tentar reduzir o
buraco em suas contas externas
esfriando a sua própria economia
e importando menos. Para os
emergentes, que exportam boa
parte do que produzem aos americanos, as conseqüências seriam,
de qualquer modo, ruins.
Em termos comerciais, já se tornou lugar comum afirmar que
Bush é mais ""amigável" e que sua
vitória seria melhor para países
como o Brasil. Em seu governo,
no entanto, Bush tomou decisões
protecionistas em áreas como aço
e exportação de camarões brasileiros, além de ter recorrido de decisões favoráveis ao Brasil na
OMC (Organização Mundial de
Comércio).
O processo da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) também entrou em um impasse sob
Bush. Com a proximidade da eleição, os EUA fizeram ofertas para a
Alca consideradas inaceitáveis
pela diplomacia brasileira.
Mais específico, Kerry promete
revisar todos os acordos comerciais assinados pelos EUA nos últimos anos e incluir cláusulas ambientais e trabalhistas nesses processos. Novamente, para países
pobres como o Brasil, isso seria
mais um contratempo.
Os EUA também precisarão de
dinheiro para manter sua guerra
internacional contra o terrorismo
e a campanha militar no Iraque.
Apesar do discurso de ""multilateralismo" de Kerry, os EUA continuarão pagando pelo grosso da
conta para estabilizar o país.
Em termos de política geral para
o Iraque, não haverá grandes mudanças, não importa o eleito.
Tanto Kerry quanto Bush têm
uma visão central idêntica: a de
que as eleições iraquianas marcadas para 2005 devem resultar em
um governo pró-EUA no poder.
(FERNANDO CANZIAN)
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