São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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Planos dos candidatos vão esbarrar na falta de dinheiro

DE WASHINGTON

OS ELEITORES DO PRESIDENTE George W. Bush ou do democrata John Kerry podem esperar sentados por um rápido cumprimento das promessas de seus candidatos após a eleição. Para o resto do mundo, as alterações de políticas poderão ter conseqüências inesperadas, sobretudo na área econômica. Internamente, ambos candidatos terão uma margem apertada ou nenhuma no Senado para fazer passar projetos importantes.

Em uma boa hipótese, Bush ampliará dos 51 atuais para 54 o número de senadores republicanos entre as cem cadeiras. Continuará abaixo de uma margem de 60 votos, considerada segura para atacar questões polêmicas como as que vêm propondo.
Entre elas, uma simplificação geral do sistema de impostos dos EUA e a ""privatização" de parte da Previdência, permitindo que os trabalhadores apliquem como quiser fatias do que teriam direito a receber no futuro.
Mesmo em seu partido, não há consenso sobre esses assuntos.
Kerry, por seu lado, poderá ter tanto o Senado quanto a Câmara, que deve continuar dominada pelos republicanos, contra ele.
Seu ambicioso projeto de colocar um Estado mais atuante por trás do caríssimo e privado sistema de saúde dos EUA encontrará resistências enormes, dentro e fora do Congresso.
Em outras áreas internas, como educação, treinamento de trabalhadores para reduzir o desemprego e saúde, ambos os candidatos esbarrarão no mesmo obstáculo: dinheiro. Esse é hoje o principal problema da economia mais rica do mundo, que roda a sua poderosa máquina governamental afundada em um dos maiores déficits fiscais da história.
Nenhum economista acredita que os EUA poderão continuar financiando seu governo e uma campanha militar como a do Iraque sem corrigir essa conta.
Para isso, o país precisará de um ajuste fiscal, via corte de despesas, o que é mais difícil, ou pelo aumento de impostos.
Nesse ponto, mais uma promessa de campanha de Bush, de aprofundar sua política de redução de tributos, dificilmente será levada adiante com grande intensidade em um eventual segundo mandato republicano.
Kerry, por seu lado, já deixou claro que os impostos vão subir para quem ganha mais de US$ 200 mil ao ano para cobrir o buraco nas finanças públicas.
Se os americanos podem acabar pagando a conta do déficit fiscal, o resto do mundo deverá absorver, mesmo que indiretamente, os custos de outro déficit monumental, o em conta corrente.
Esse déficit já atingiu o equivalente a 5,7% do PIB (Produto Interno Bruto) e vem sendo pressionado, principalmente, pelo fato de os EUA importarem hoje muito mais do que exportam.
Hoje, a dívida de empresas e importadores americanos com o exterior soma US$ 4,4 trilhões, o dobro do total em 2000, um ano antes de Bush assumir. Isso permite que os EUA importem 15% de tudo o que consomem.
Essa dívida monumental é uma fonte de preocupação, pois pode desencadear uma crise de crédito para os EUA, caso seus credores comecem a duvidar da capacidade do país de honrar os seus compromissos no futuro.
A gradual e persistente queda das cotações do dólar perante outras moedas nos últimos dois anos é um reflexo dessa dúvida de quem hoje financia os EUA.
Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, afirma que os déficits gêmeos (fiscal e em conta corrente) dos EUA podem levar o dólar "a uma queda rápida", de 15% a 20% de seu valor, se houver um aumento significativo dessa percepção de descontrole. ""A queda pode ser ainda maior, obrigando os EUA a aumentar os juros rapidamente para atrair capital, o que teria conseqüências negativas para todo o mundo", afirma Rogoff.
Economias emergentes, como o Brasil, seriam as mais afetadas por um processo como esse, pois perderiam para as taxas de juro maiores do Tesouro dos EUA os dólares que hoje financiam suas contas externas.
No limite, o Brasil e outros países teriam que aumentar as suas próprias taxas de juro para segurar esses dólares, desaquecendo a economia. Esse cenário é considerado bastante plausível.
Os EUA podem tentar reduzir o buraco em suas contas externas esfriando a sua própria economia e importando menos. Para os emergentes, que exportam boa parte do que produzem aos americanos, as conseqüências seriam, de qualquer modo, ruins.
Em termos comerciais, já se tornou lugar comum afirmar que Bush é mais ""amigável" e que sua vitória seria melhor para países como o Brasil. Em seu governo, no entanto, Bush tomou decisões protecionistas em áreas como aço e exportação de camarões brasileiros, além de ter recorrido de decisões favoráveis ao Brasil na OMC (Organização Mundial de Comércio).
O processo da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) também entrou em um impasse sob Bush. Com a proximidade da eleição, os EUA fizeram ofertas para a Alca consideradas inaceitáveis pela diplomacia brasileira.
Mais específico, Kerry promete revisar todos os acordos comerciais assinados pelos EUA nos últimos anos e incluir cláusulas ambientais e trabalhistas nesses processos. Novamente, para países pobres como o Brasil, isso seria mais um contratempo.
Os EUA também precisarão de dinheiro para manter sua guerra internacional contra o terrorismo e a campanha militar no Iraque.
Apesar do discurso de ""multilateralismo" de Kerry, os EUA continuarão pagando pelo grosso da conta para estabilizar o país.
Em termos de política geral para o Iraque, não haverá grandes mudanças, não importa o eleito.
Tanto Kerry quanto Bush têm uma visão central idêntica: a de que as eleições iraquianas marcadas para 2005 devem resultar em um governo pró-EUA no poder.
(FERNANDO CANZIAN)

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