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Blogs invadem e sacodem cenário político americano
NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
No último fim de semana, um
blogueiro do "Oxblog", para tentar explicar o fenômeno dos próprios blogs nesta eleição presidencial nos Estados Unidos, recorreu a uma citação do texto
clássico de Alexis de Tocqueville
"Democracia na América" (1835).
Em tradução livre:
- Mal você põe o pé em terra
americana e é abalado por uma
espécie de tumulto... Quase que o
único prazer que um americano
conhece é participar e discutir as
medidas do governo.
Na seqüência em seu livro, sem
citação no blog, Tocqueville observa que "até as mulheres" participam dos debates políticos, que
"são um substituto para o entretenimento teatral".
Este foi o ano da invasão do
"teatro" político da América pelos
blogs. Os mais bem-sucedidos
passaram até a contar com anúncios publicitários.
O citado "Oxblog" foi um dos
destaques da recente premiação
do "Washington Post", para os
melhores em "política e eleições",
na escolha dos leitores.
A premiação foi dominada por
blogs pró-republicanos como o
"The Corner", criado pela "National Review", mas o domínio conservador nesse campo em realidade acabou há meses, com a entrada em cena de estrelas pró-democratas como o "Daily Kos".
Direita e esquerda
Os blogs ou weblogs, diários de
internet, surgiram há cerca de
uma década nos EUA, usados por
técnicos de empresas de software
para discutir entre eles os detalhes
de suas criações e, aqui e ali, assuntos pessoais.
Na virada do milênio, entraram
em cena as primeiras referências
blogueiras voltadas inteiramente
à política, mais ou menos conservadoras em sua maioria.
Eram jornalistas como Mickey
Kaus, do "Kausfiles", na revista
on-line "Slate", Andrew Sullivan,
do "Daily Dish", e Matt Drudge,
do semiblog "Drudge Report".
Ou então um advogado como
Glenn Reynolds, do "Instapundit", e toda a federação de extremistas do "FreeRepublic".
Mas já dois anos atrás o quadro
começou a mudar. O jornalista
Josh Marshall, que foi editor na
"American Prospect" e já escreveu para a "New Yorker", liderou
o questionamento do líder republicano Trent Lott por um histórico de declarações racistas -que
levou à sua queda.
O êxito do blog de Marshall,
"Talking Points Memo", abriu caminho para outros "liberais" (esquerdistas, no jargão político
americano), que agora, às vésperas da eleição presidencial, dominaram a cena. Ao mesmo tempo,
após cinco anos, Mickey Kaus
anuncia que pode parar com o
blog depois da eleição.
Mas a concorrência ainda é
grande.
Foi no ultraconservador "FreeRepublic", há cerca de um mês,
que o blogueiro Buckhead fez o
primeiro questionamento dos documentos apresentados pela CBS,
sobre o histórico militar de George W. Bush, iniciando uma campanha que terminou levando a rede a se retratar.
350 mil leitores
Uma instituição independente
de pesquisas nos EUA, a Pew Internet and American Life Project,
levantou que há cerca de dois milhões de blogs no país, para todos
os gostos.
O maior deles em política, o
mais acessado de acordo com o
"New York Times", com 350 mil
leitores diários, é o "Daily Kos",
do engajado Markos Moulitsas.
Ele não esconde que é um blogueiro com uma missão: eleger o
democrata John Kerry para a Presidência dos Estados Unidos.
O "Daily Kos" faz uma crítica
sem freios da administração Bush
e destaca o que pode, em boas notícias, sobre candidatos democratas ao redor do país. De quebra,
faz arrecadação paralela de recursos para as campanhas.
Ele próprio, Moulitsas, foi parte
da campanha derrotada de Howard Dean, adversário de Kerry à
indicação democrata no primeiro
semestre. Uma campanha que,
voltada quase integralmente à internet, estimulou a onda de blogs
"liberais" de 2004.
Outra blogueira dada como "liberal", mas que faz sobretudo
uma sátira da corte política, obcecada por detalhes pessoais e de
comportamento, a jornalista Ana
Marie Cox, do "Wonkette", perde
apenas para Moulitsas em termos
de repercussão.
Foi ela quem deu projeção, por
exemplo, às supostas revelações
de Jessica Cutler, meses atrás, de
envolvimento sexual com membros da Casa Branca.
Cox, Moulitsas e outro blogueiro pró-democrata, Atrios, do "Eschalon", vêm se destacando num
fato recente e inusitado: o crescimento da publicidade.
Curiosamente, estrelas como
Josh Marshall lamentam que o faturamento mensal de até US$ 10
mil tenha profissionalizado os
blogs e tirado parte da diversão
-além de impor questionamentos de política comercial, por
exemplo, sobre anúncios republicanos, aliás, aceitos por Marshall.
Pior aconteceu com o também
liberal "Daily Kos", que passou a
enfrentar campanhas de blogs republicanos pela retirada de seus
anunciantes -campanhas como
aquelas que ele mesmo fazia, contra a grande mídia.
São as dores da institucionalização dos blogs, evidenciada pelo
inédito convite para cobrirem o
mais institucional dos eventos no
"tumulto" político dos Estados
Unidos: as convenções dos partidos Republicano e Democrata.
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