São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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Blogs invadem e sacodem cenário político americano

NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

No último fim de semana, um blogueiro do "Oxblog", para tentar explicar o fenômeno dos próprios blogs nesta eleição presidencial nos Estados Unidos, recorreu a uma citação do texto clássico de Alexis de Tocqueville "Democracia na América" (1835). Em tradução livre:
- Mal você põe o pé em terra americana e é abalado por uma espécie de tumulto... Quase que o único prazer que um americano conhece é participar e discutir as medidas do governo.
Na seqüência em seu livro, sem citação no blog, Tocqueville observa que "até as mulheres" participam dos debates políticos, que "são um substituto para o entretenimento teatral".
Este foi o ano da invasão do "teatro" político da América pelos blogs. Os mais bem-sucedidos passaram até a contar com anúncios publicitários.
O citado "Oxblog" foi um dos destaques da recente premiação do "Washington Post", para os melhores em "política e eleições", na escolha dos leitores.
A premiação foi dominada por blogs pró-republicanos como o "The Corner", criado pela "National Review", mas o domínio conservador nesse campo em realidade acabou há meses, com a entrada em cena de estrelas pró-democratas como o "Daily Kos".

Direita e esquerda
Os blogs ou weblogs, diários de internet, surgiram há cerca de uma década nos EUA, usados por técnicos de empresas de software para discutir entre eles os detalhes de suas criações e, aqui e ali, assuntos pessoais.
Na virada do milênio, entraram em cena as primeiras referências blogueiras voltadas inteiramente à política, mais ou menos conservadoras em sua maioria.
Eram jornalistas como Mickey Kaus, do "Kausfiles", na revista on-line "Slate", Andrew Sullivan, do "Daily Dish", e Matt Drudge, do semiblog "Drudge Report". Ou então um advogado como Glenn Reynolds, do "Instapundit", e toda a federação de extremistas do "FreeRepublic".
Mas já dois anos atrás o quadro começou a mudar. O jornalista Josh Marshall, que foi editor na "American Prospect" e já escreveu para a "New Yorker", liderou o questionamento do líder republicano Trent Lott por um histórico de declarações racistas -que levou à sua queda.
O êxito do blog de Marshall, "Talking Points Memo", abriu caminho para outros "liberais" (esquerdistas, no jargão político americano), que agora, às vésperas da eleição presidencial, dominaram a cena. Ao mesmo tempo, após cinco anos, Mickey Kaus anuncia que pode parar com o blog depois da eleição.
Mas a concorrência ainda é grande.
Foi no ultraconservador "FreeRepublic", há cerca de um mês, que o blogueiro Buckhead fez o primeiro questionamento dos documentos apresentados pela CBS, sobre o histórico militar de George W. Bush, iniciando uma campanha que terminou levando a rede a se retratar.

350 mil leitores
Uma instituição independente de pesquisas nos EUA, a Pew Internet and American Life Project, levantou que há cerca de dois milhões de blogs no país, para todos os gostos.
O maior deles em política, o mais acessado de acordo com o "New York Times", com 350 mil leitores diários, é o "Daily Kos", do engajado Markos Moulitsas. Ele não esconde que é um blogueiro com uma missão: eleger o democrata John Kerry para a Presidência dos Estados Unidos.
O "Daily Kos" faz uma crítica sem freios da administração Bush e destaca o que pode, em boas notícias, sobre candidatos democratas ao redor do país. De quebra, faz arrecadação paralela de recursos para as campanhas.
Ele próprio, Moulitsas, foi parte da campanha derrotada de Howard Dean, adversário de Kerry à indicação democrata no primeiro semestre. Uma campanha que, voltada quase integralmente à internet, estimulou a onda de blogs "liberais" de 2004.
Outra blogueira dada como "liberal", mas que faz sobretudo uma sátira da corte política, obcecada por detalhes pessoais e de comportamento, a jornalista Ana Marie Cox, do "Wonkette", perde apenas para Moulitsas em termos de repercussão.
Foi ela quem deu projeção, por exemplo, às supostas revelações de Jessica Cutler, meses atrás, de envolvimento sexual com membros da Casa Branca.
Cox, Moulitsas e outro blogueiro pró-democrata, Atrios, do "Eschalon", vêm se destacando num fato recente e inusitado: o crescimento da publicidade.
Curiosamente, estrelas como Josh Marshall lamentam que o faturamento mensal de até US$ 10 mil tenha profissionalizado os blogs e tirado parte da diversão -além de impor questionamentos de política comercial, por exemplo, sobre anúncios republicanos, aliás, aceitos por Marshall.
Pior aconteceu com o também liberal "Daily Kos", que passou a enfrentar campanhas de blogs republicanos pela retirada de seus anunciantes -campanhas como aquelas que ele mesmo fazia, contra a grande mídia.
São as dores da institucionalização dos blogs, evidenciada pelo inédito convite para cobrirem o mais institucional dos eventos no "tumulto" político dos Estados Unidos: as convenções dos partidos Republicano e Democrata.

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